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Marcelo Gleiser
Ora (direis) contar planetas!
Parece haver
casos em
que a definição de
planeta não vale
O
imenso aumento no poder dos
telescópios na última década
tem causado uma verdadeira
revolução no nosso conhecimento do
Sistema Solar. Aliás, do Sistema Solar
e de dezenas de outros sistemas estelares que não sabíamos que existiam;
bandos de planetas girando em torno
de suas próprias estrelas, algumas a
incomensuráveis anos-luz de distância daqui. Com essa chuva de novos
mundos, vêm também as surpresas.
Como saber se o padrão seguido pelo
Sistema Solar é a regra ou a exceção?
Seríamos exóticos ou normais? Para
respondermos, temos primeiro que
entender bem o que é um planeta. E é
aqui que nasce a confusão.
Na época de Copérnico era tudo
simples: existiam apenas seis planetas, aqueles visíveis a olho nu. Com o
desenvolvimento dos telescópios, as
surpresas começaram. Primeiro, Galileu descobriu em 1610 que existiam
quatro luas girando em torno de Júpiter. Em 1781, Urano foi descoberto por
William Herschel, seguido por Netuno em 1845. Embora Urano esteja no
limite do que é visível a olho nu, passou despercebido até o século 18. Ficou claro que existem muitos objetos
girando em torno do Sol além dos que
podemos ver a olho nu. Mas quantos?
Até 1930, as coisas paravam em Netuno e tudo parecia estar bem. Foi então
que o americano Clyde Tombaugh
descobriu o pequenino Plutão, menor
do que a nossa Lua. Comparado com
seus vizinhos, os gigantes gasosos Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, Plutão é um detalhe. Até sua composição
química é diferente: enquanto os gasosos são ricos em hidrogênio e hélio,
Plutão é composto de gelo e metano
congelado. Fora isso, enquanto os outros planetas giram em torno do Sol
aproximadamente no mesmo plano,
feito azeitonas numa pizza, a órbita de
Plutão tem uma inclinação de 17
graus. A inclinação de Mercúrio, o
único outro fora da pizza orbital, tem
inclinação de 7 graus. Dadas essas diferenças, alguns astrônomos começaram a se questionar se Plutão é mesmo um planeta.
A coisa ficou ainda mais complicada
quando se descobriu que existem milhares de corpos celestes formando
um cinturão além da órbita de Plutão.
O cinturão de Kuiper, como é chamado, é o berçário de muitos dos cometas
que passeiam pelo interior do Sistema
Solar -bolas de gelo e gás congelado
que entram em incandescência ao se
aproximar do Sol. O próprio Tombaugh apelidou Plutão de "rei do cinturão de Kuiper". Mas se Plutão for
mesmo considerado parte do cinturão, será que seus outros integrantes
também são planetas? Ou será que devemos definir planetas a partir de um
tamanho mínimo, digamos, um raio
de mais de mil quilômetros?
A definição comum é que planeta é
um corpo esférico, grande, que gira
em torno de uma estrela e que não
tem massa suficiente para gerar a própria luz. Recentemente, um planeta
gigantesco foi encontrado girando em
torno de uma estrela que... não brilha!
Do tipo conhecido como anã marrom,
a miniestrela tem massa equivalente a
14 vezes a de Júpiter. E o seu planeta,
a sete. Estão no limiar do que divide
um planeta de uma estrela. A definição claramente não se aplica: afinal,
planeta não gira em torno de planeta.
Voltando a Plutão, ano passado foi
descoberto um objeto maior do que
ele apelidado de "Xena", com órbita
três vezes mais distante do Sol e que
demora 560 anos para ser completada. (A de Plutão leva 248). Tem até
lua. Integrante do cinturão de Kuiper,
"Xena" se tornou candidato a ser o décimo planeta. Ou será que Plutão virá
a perder seu status? Em breve, a situação ficará definida. Se aparecerem
muitos "Xenas", melhor baixar a contagem e tirar Plutão da lista. Tenho
certeza de que ele não se importaria.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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