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Marcelo Leite
Plutão e a menina
O nono planeta
bem merece ser
salvo -ainda
que por simpatia
Na próxima quinta-feira a cidade de Praga, na República
Tcheca, testemunhará uma
votação histórica. Durante a 26ª Assembléia Geral da União Astronômica
Internacional (UAI), especialistas decidirão se o Sistema Solar, afinal, tem
9 ou 12 planetas.
O culpado de tudo é Plutão, o nono
planeta. Entrou tarde para o clube, em
1930, descoberto por Clyde Tombaugh. Minúsculo, com metade do tamanho da Lua, era pouco mais que um
ponto luminoso na constelação de Gêmeos. Até ser batizado oficialmente,
carregou o apelido de Planeta X.
Na época não houve muita discussão sobre Plutão ser ou não um planeta. A coisa toda, porém, se complicou
com a descoberta do objeto 2003
UB313, apelidado de "Xena". Seu tamanho foi estimado em 2005. Era um
pouco maior que Plutão.
Intensificou-se um debate que já
acontecia havia certo tempo. Houve
quem defendesse o rebaixamento de
Plutão para a condição de planetóide,
asteróide, não sei mais o quê. Até o xará Marcelo Coelho, que raramente escreve sobre ciência, disse em seu blog
Cultura e Crítica que encararia o fato
como perda pessoal: "É como querer
tirar de São Jorge o status de santo".
Surge agora a solução conciliatória
de definir planeta como "corpo esférico não-estelar que orbita uma estrela". Com a nova definição, que pode
ser aprovada ou modificada quinta-feira, pelo menos outros três objetos
celestes entrariam para a primeira divisão do Sistema Solar.
"Xena", claro, seria o primeiro. Outro que se encaixa na nova categoria é
Ceres, até então o maior asteróide conhecido. Para humilhação de Plutão,
até Caronte, hoje considerado um satélite seu, seria entronizado no panteão. Afinal, os dois corpos giram em
torno de um centro de gravidade entre eles, portanto não dá para dizer
quem orbita quem (a Lua, maior que
ambos, fica de fora porque gira em
torno da Terra). E talvez haja uma dúzia, ou mesmo dezenas, de outros candidatos a planeta por aí.
Pode sair bem caro salvar Plutão,
iniciando uma era de pluralismo planetário. Mas o nono planeta bem que
merece. Se não por razões físicas e de
coerência, por razões históricas e de
idiossincrasia. Por simpatia, vá lá.
Esta coluna não dava a mínima para
Plutão, até topar com a narrativa de
como seu nome foi escolhido. Após a
descoberta de 1930, discutiu-se durante meses como batizar o Planeta X.
Uma primeira idéia foi homenagear o
astrônomo Percival Lowell, que passara anos em seu encalço, até morrer.
Nem "Percival" nem "Lowell", porém, combinavam com a mania de dar
nomes de divindades antigas para planetas. Seguindo essa tendência classicista, uma enfiada de propostas entrou em discussão: Apolo, Artemísia,
Atlas, Baco, Cronos, Diana, Érebo, Minerva, Osíris, Perseu, Vulcano...
A pendenga só se decidiu graças a
uma inglesa com 11 anos na época, Venetia Burney. Quatro décadas antes,
seu avô Henry George Madan havia
dado nome às luas de Marte, Deimos e
Fobos. Venetia vasculhou livros de
mitologia e saiu-se com "Plutão", irmão de Júpiter e Netuno, deus romano da escuridão e das profundezas.
Uma boa analogia para o longínquo
Planeta X, quase 40 vezes mais longe
do Sol que a Terra. Além disso, o nome
começava com P e L, as iniciais de Percival Lowell.
A sugestão de Venetia foi oficialmente acatada, apesar de ter sido feita
por uma simples garota. Sua história
pode ser lida no livro infantil "A Menina que Batizou um Planeta e Outras
Histórias Extraordinárias de Jovens
Cientistas", de Marc McCutcheon
(Cosac Naify, 80 págs., R$ 26,00).
MARCELO LEITE é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor dos livros paradidáticos "Amazônia, Terra com
Futuro" e "Meio Ambiente e Sociedade" (Editora Ática) e
responsável pelo blog Ciência em Dia (cienciaemdia.zip.net). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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