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CIÊNCIA
O homem moderno descende de sobreviventes de megacatástrofe, diz estudo
Seleção vulcânica
MARCELO LEITE
especial para a Folha
O homem moderno é uma criação recente da evolução, coisa de
100 mil a 200 mil anos. Parecia um
mistério que, em tão pouco tempo, tivesse surgido tanta diferença
na aparência de populações da
África, Eurásia e Oceania, como a
cor da pele. A resposta, afirma nova teoria, pode estar numa das
maiores erupções vulcânicas da
história do planeta.
O autor da hipótese é Stanley
Ambrose, 45, arqueólogo da Universidade de Illinois (nordeste dos
EUA). Ele propôs que a megaerupção do monte Toba, na ilha de
Sumatra (hoje território indonésio), há 71 mil anos, dizimou a
maioria das populações humanas.
No máximo 10 mil pessoas teriam sobrevivido ao "inverno
vulcânico", que quase zerou o relógio genético da espécie. E ele
costuma andar mais depressa depois de uma catástrofe dessas.
Foi a segunda maior erupção em
meio bilhão de anos, superada
apenas por uma que lançou na atmosfera o equivalente a 1.140 km3
de rochas, sob a forma de cinzas e
poeira. No caso do monte Toba, a
estimativa é de 800 km3. No fundo
do oceano Índico, ele deixou uma
camada de cinzas de 12 cm.
As partículas e gases lançados na
atmosfera, se alcançam altitudes
acima de 17 km, como no caso de
Toba, formam uma nuvem que
barra a maior parte da radiação
solar (veja quadro ao lado). A temperatura cai abruptamente, dando
início a um inverno prolongado.
Na década de 80, especulava-se
que uma guerra nuclear poderia
ter efeito semelhante e dizimar a
maior parte da população.
A hipótese Ambrose é comparável em ousadia à de Luis Walter
Alvarez, Nobel de Física de 1968,
que, em 1981, propôs que os dinossauros foram extintos pelo
choque de um asteróide contra a
Terra. A comparação, aliás, é feita
pelo próprio Stanley Ambrose.
"Isso ainda terá de ser submetido a maior escrutínio antes que
sua durabilidade possa ser avaliada. Não espero aceitação rápida. A
julgar pelo tempo que a idéia asteróide/extinção dos dinossauros ficou rolando por aí, pode demorar
muito até que apareça o veredicto
final", afirmou o cientista, por
correio eletrônico.
Seria um caso de imodéstia, não
fosse pela opinião de outros pesquisadores. O artigo de Ambrose
saiu no "Journal of Human Evolution", cujos textos, como em
toda publicação científica respeitável, passam por uma revisão técnica anônima ("peer review").
No Brasil, o arqueólogo Walter
Neves, do Laboratório de Estudos
Evolutivos Humanos da USP,
concorda em princípio com a pretensão do norte-americano: "Se
ele estiver certo, vai ter mesmo repercussão comparável a Alvarez".
Genética e raças
O ovo que Ambrose pôs de pé
reúne evidências tão díspares
quanto clara e gema. De um lado,
a megaerupção do monte Toba,
esmiuçada por vulcanologistas.
De outro, a teoria do gargalo, produto recente da genética de populações, um tópico que, segundo
Walter Neves, tornou-se realmente quente nos últimos dois anos.
Analisando a diversidade dos genes da espécie no presente e sua
distribuição, geneticistas concluíram que ela passou por ao menos
uma drástica redução populacional, há não mais que 100 mil anos.
Seria a melhor maneira de explicar por que só se observa 10% da
diversidade genética entre as diferentes "raças". Os outros 90%
ocorrem dentro de cada uma delas, ou seja, há muito mais variação entre membros de um mesmo
grupo racial -em particular na
África- do que entre os grupos.
Em aparência, contudo, os grupos diferem muito. Isso decorreria, na hipótese de Ambrose, do
fato de o gargalo ter ocorrido antes de uma nova dispersão pelo
globo (veja ilustração). Várias linhagens iniciadas com a emigração do Homo erectus (precursor
do Homo sapiens, o homem atual)
da África teriam morrido na súbita queda de temperatura na Terra.
Para Ambrose, os sobreviventes
do inverno vulcânico foram mais
numerosos no grande refúgio tropical africano (não havia humanos
nas Américas há 71 mil anos). A
África seria o paraíso do qual foi
expulsa a humanidade. Daí vem o
nome pelo qual a teoria é conhecida, Jardim do Éden.
Desse grupo escolhido -pelo
acaso geológico-climático, não
pelo Criador-, saíram os 90% de
genes que todos partilham hoje.
As diferenças mais aparentes, porém pouco numerosas, como cor
da pele, seriam produto da curta
evolução em diferentes ambientes.
Isso acontece mais rápido quando
o grupo inicial é muito reduzido
(o chamado "efeito fundador").
Ambrose diz que juntou as peças genéticas e geológicas do quebra-cabeças por acidente: "Um
amigo, Paul Handler, despertou
meu interesse por vulcões e pelo El
Niño. E aconteceu de ter um artigo
em minha mesa sobre inverno
vulcânico quando fui a uma conferência sobre gargalos, com
Henry Harpending. Juntei as duas
coisas e virou essa bola de neve",
diz. "Nunca pensei que poderia
fazer uma contribuição dessas para o debate da evolução humana."
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