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MICRO/MACRO
El Niño, o regulador climático do planeta
MARCELO GLEISER
especial para a Folha
Já que esta é a última coluna
antes do Natal, quero manter a
tradição iniciada no ano passado, escrevendo algo que esteja
relacionado com presentes. Em
particular, também como no
ano passado, com os presentes
que nós vamos deixar para as gerações futuras.
Muitos ouviram falar no fenômeno climático conhecido por
"El Niño". O nome foi criado
pelos pescadores da costa peruana para representar o aquecimento das águas do Pacífico que
se dá periodicamente em torno
do Natal. Em espanhol, "El Niño" se refere ao menino Jesus,
uma outra razão para a presente
escolha do tópico.
Hoje em dia, o termo se refere
ao aquecimento em larga escala
que ocorre em todo o Pacífico
tropical aproximadamente a cada quatro anos, alternando-se
com uma fase de resfriamento,
conhecida como "La Niña". Essas oscilações de temperatura do
Pacífico tropical têm um impacto global no clima do planeta: O
El Niño pode causar tanto tempestades e enchentes no Equador ou nos EUA quanto secas na
Indonésia ou na Amazônia.
Nas últimas duas décadas,
cientistas, estudando as variações climáticas do planeta, descobriram que o fenômeno El Niño não ocorre sozinho; as variações de temperatura no Pacífico
estão acopladas a variações de
pressão atmosférica, conhecidas
como "oscilações sulinas".
Essas oscilações foram descobertas em 1923 pelo climatologista britânico Gilbert Walker,
que estava tentando entender
por que a estação chuvosa conhecida como monção deixa de
ocorrer na Índia em certos anos.
Walker mostrou que existiam
padrões irregulares de oscilação
da pressão sobre o Pacífico que
se propagavam de leste a oeste.
Essa é a direção oposta do aquecimento das águas oceânicas que
ocorre durante o El Niño.
O aquecimento das águas que
afeta os pescadores peruanos está ligado com a estação chuvosa
na Índia e no Sudeste Asiático
por meio da interação entre a dinâmica dos oceanos e da atmosfera. Esse acoplamento dos oceanos com a atmosfera é um exemplo perfeito de como certos problemas científicos requerem um
tratamento que envolve vários
componentes ao mesmo tempo.
Para que possamos entender as
variações climáticas que afetam
um determinado local, como a
Amazônia, não basta estudarmos apenas aquela região isoladamente. Precisamos estudar
como o contexto climático global pode afetar um determinado
local. Em estudos climáticos, como talvez em nenhum outro estudo, a Terra aparece como uma
entidade única, em que efeitos
locais podem influenciar o comportamento global e vice-versa.
O fenômeno acoplado do El
Niño com a Oscilação Sulina
ocorre, historicamente, com
uma frequência média de quatro
anos. Portanto, nos últimos 12
ou 13 anos, em média, o fenômeno deve ter ocorrido em torno de
três vezes. No entanto, ele ocorreu seis vezes desde 1984, o dobro do número esperado. Mais
ainda, sua última ocorrência foi
a mais dramática: enquanto normalmente a variação de temperatura é de 1C ou de 1,5 C, no
ciclo de 97 a 98 a temperatura subiu 4C acima da média!
Não é à toa que todos dizem que
o clima tem andado meio louco.
O inverno passado foi extremamente ameno no Hemisfério
Norte e, ao que tudo indica, o
mesmo acontecerá este ano (a
temperatura em New Hampshire, o Estado americano em que
eu moro, tem estado 20C acima
da média!). O que está havendo?
Os modelos climáticos indicam
que o culpado por essas oscilações é o efeito estufa. Eu digo
"indicam" porque nem todos
os cientistas concordam com essas conclusões. As incertezas
vêm das limitações dos computadores em realmente simular o
clima da Terra em detalhe. De
qualquer forma, os dados climáticos não mentem e estão diretamente acoplados com a quantidade de gases poluentes na atmosfera. Acho que neste Natal
devemos mais uma vez refletir
sobre o presente que estamos
deixando para nossos filhos.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica
do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e
autor do livro "A Dança do Universo".
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