São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 1998

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FUTURO
Pesquisadores dos EUA mapeiam satélite natural da Terra em busca de gás raro para usá-lo como combustível
Energia na Lua

MARCELO FERRONI
da Reportagem Local

Em busca de novas fontes de energia, cientistas nos EUA fizeram um mapa da superfície lunar com as regiões de maior concentração de uma variação pouco comum do elemento químico hélio.
Conhecida como hélio-3 (por ter três unidades de massa atômica, enquanto a versão mais abundante na Terra tem quatro unidades), ela poderia ser usada, no futuro, como combustível altamente reativo em reatores de fusão nuclear.
O desenvolvimento de reatores de fusão ainda é embrionário. Esse processo físico ainda não é aplicado para produzir energia, a não ser em bombas nucleares. Mas os cientistas já querem desenvolver um combustível para ele.
"As vantagens serão enormes se conseguirmos realizar a fusão de hélio, e acredito que vale a pena gastar tempo e dinheiro para se estudar a idéia", diz Timothy Swindle, da Universidade do Arizona, em Tucson (EUA), em entrevista por e-mail à Folha.
Swindle, ao lado de Jeffrey R. Johnson, da Pesquisa Geológica dos EUA, em Flagstaff, Arizona, e Paul G. Lucey, da Universidade do Havaí, em Honolulu, desenvolveram o mapa de hélio-3.
O estudo deve ser publicado na revista "Geophysical Research Letters", da União Geofísica Norte-americana. Segundo Johnson, "o hélio-3 pode ser um combustível de fusão mais "limpo' do que outros compostos porque libera menos radiação". Além do hélio, cientistas estudam também o uso do hidrogênio na fusão.
O hélio-3 chega à Lua pelos ventos solares -partículas emitidas pelo Sol. Segundo Swindle, a quantidade de hélio-3 na Lua depende de três fatores.
Em primeiro lugar, a idade do solo. Superfícies mais antigas terão sido expostas ao ventos solares por mais tempo e, portanto, terão maiores concentrações do gás.
Outro fator levado em conta foi a localização das regiões que recebem maiores quantidades de ventos solares. Por exemplo, algumas regiões da Lua não recebem partículas solares quando estão no campo magnético da Terra.
Por último, os pesquisadores determinaram os diferentes tipos de solo na Lua, para identificar os compostos que retêm o hélio.
"Descobrimos que o hélio-3 se associa com mais facilidade ao mineral ilmenita. Portanto, regiões com maior quantidade desse mineral poderão ter mais hélio-3", diz Swindle.
O ilmenita (de fórmula química FeTiO3) é composto por ferro, titânio e oxigênio. A união do mineral com o gás, segundo o pesquisador, poderia estar relacionada ao formato dos cristais de ilmenita, que "aprisionariam" o hélio-3.
Os cientistas usaram medições anteriores de hélio-3 obtidas de amostras trazidas da Lua, além de mapas espectrográficos -que identificam a presença de diferentes compostos na superfície- e um modelo do efeito do campo magnético terrestre.
Os dados foram obtidos de missões anteriores da Nasa (agência espacial dos EUA), como a sonda Clementine, lançada em 1994 para realizar mapeamento mineralógico e topográfico da Lua.

A fusão nuclear
O processo de fusão nuclear é praticamente o inverso do que ocorre na fissão atômica.
Na fissão, um núcleo atômico, geralmente de urânio ou de plutônio, é submetido ao impacto de uma partícula de carga elétrica neutra (nêutron). O núcleo bombardeado se divide em dois menores, liberando energia e nêutrons.
Na fusão, núcleos de átomos mais simples, como hidrogênio e hélio, formam núcleos de átomos mais complexos, gerando, também, energia. É esse o processo que ocorre na bomba atômica de hidrogênio, ou bomba H.
Gerald Kulcinski, da Universidade de Wisconsin, um dos responsáveis pela pesquisa sobre fusão nuclear nos Estados Unidos, estima que haja cerca de 1 milhão de toneladas de hélio-3 na Lua.
Segundo ele, a energia gerada por apenas 100 toneladas do gás seria equivalente à que foi usada em todo o planeta em 1998.
Como diz Swindle, a pesquisa pode estar no princípio. Mas, assim mesmo, ela parece ser vantajosa.



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