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Micro/Macro
Teller e o preço da paz
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
A morte do físico Edward Teller, aos
95 anos, no dia 9 de setembro, marca o fim de uma era na história da relação
entre a física nuclear e o poder político.
Teller foi o último dos grandes nomes
envolvidos com o desenvolvimento de
armas nucleares de destruição de massa,
trabalhando na área desde a Segunda
Guerra. Ele foi também o físico mais influente na política norte-americana de
contenção nuclear, que dominou a
Guerra Fria por 40 anos.
Sua política pode ser resumida em uma
frase: o único caminho para a paz é a absoluta supremacia bélica dos países com
fins pacíficos. Conhecido como o "pai da
bomba de hidrogênio", bem mais tarde
em sua vida confessou detestar esse título. "Nunca fui pai de coisa alguma", disse
ele em entrevista na década de 90.
Talvez parte do posicionamento político de Teller possa ser fruto de duas experiências horríveis ainda em sua juventude: a invasão de seu país natal, a Hungria,
pelo exército revolucionário soviético e a
ascensão do nazismo na Alemanha no
início dos anos 30, onde então vivia. Físico brilhante, deve ter decidido desde cedo que o papel social da ciência era promover a paz, mesmo que isto ocorresse
às custas da força.
A ironia de sua posição é que os EUA
foram, até hoje, o único país que usou
bombas nucleares contra populações civis. A lógica do argumento usado para
justificar essa ação é macabra: sem a detonação das bombas, os japoneses jamais teriam se rendido. E uma invasão
ao Japão causaria muito mais mortes do
que as bombas. Sim, de soldados americanos, talvez.
Quando perguntaram a Teller, numa
comemoração do 50º aniversário da detonação da primeira bomba, o que achava do uso das bombas em Hiroshima e
Nagasaki, respondeu que seu uso havia
sido indevido. Uma detonação na alta atmosfera teria servido como demonstração do poder destruidor, fazendo com
que o Japão se rendesse.
Por outro lado, argumentou Teller, ele
nunca se arrependeu de ter trabalhado
no desenvolvimento das bombas. Foram
elas, dizia, que garantiram a paz mundial
durante a segunda metade do século 20.
Aparentemente, Teller esqueceu-se de
um detalhe: construir bombas não dá ao
construtor poder de decisão sobre quando e onde usá-las. Mesmo assim, enquanto a maioria dos físicos se revoltou
contra elas, ele continuou a insistir em
seu desenvolvimento.
Teller trabalhou no Projeto Manhattan, responsável pela construção da
bomba atômica dos EUA.
As primeiras bombas usaram a fissão
nuclear: núcleos atômicos pesados, como o urânio-238 (238 refere-se ao número de prótons, 92, e de nêutrons, 146, no
núcleo) ou o plutônio, são literalmente
cortados em pedaços (fissionados) por
nêutrons livres, que funcionam como
pequenas balas de revólver. A cada fissão, mais nêutrons são liberados, os
quais, por sua vez, atingem mais núcleos.
Cada núcleo libera uma alta quantidade
de energia ao ser fissionado. Se o número
de nêutrons e núcleos for alto o suficiente, inicia-se uma reação em cadeia. A explosão se deve à fissão descontrolada de
trilhões de trilhões de núcleos.
Terminada a guerra, Teller foi para a
Universidade de Chicago. Quando os soviéticos detonaram sua primeira bomba,
em 1949, Teller convenceu o presidente
Harry Truman a criar uma mais mortífera, a bomba de hidrogênio, ou bomba H,
que ele chamava de "superbomba".
A detonação da bomba H se baseia na
fusão nuclear: em vez de obter energia
dividindo núcleos pesados, como na fissão, ela vem da fusão de núcleos de hidrogênio. É o mecanismo que ocorre no
interior do Sol, responsável pela sua gigantesca produção de energia. A detonação de uma bomba H, efetivamente, é como um minissol que dura apenas um
instante. A primeira explodiu em 1952,
em Eniwetok, no oceano Pacífico.
Com a Guerra Fria, Teller teve a idéia
de juntar a hegemonia da tecnologia espacial norte-americana com sua política
de paz, a qualquer custo. Em 1983, ele
convenceu o presidente Ronald Reagan a
construir um sistema antimísseis, conhecido como "Guerra nas Estrelas",
que falhou miseravelmente.
Mas Teller não desistiu. Quando George W. Bush decidiu reiniciar a construção do sistema, em 2001, ele comemorou: "Até que enfim!" Teller morreu
acreditando em sua política. E tentando
esquecer os horrores causados por ela.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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