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Ciência em Dia
Truculência na internet
Marcelo Leite
editor de Ciência
A indústria fonográfica norte-americana -ou seja, mundial- deu um
passo radical há duas semanas, quando
iniciou 261 processos judiciais contra
pessoas que baixaram da internet canções protegidas por direitos autorais. Pode ser um passo rumo ao abismo.
Antes que a coluna seja acusada de
apologia do crime (atentado contra a
propriedade de obras artísticas e intelectuais), é bom reafirmar inteiro apoio ao
direito autoral. Nada parece mais correto
do que fazer reverter para o artista ou para o intelectual o fruto de seu trabalho,
ou que parte dele vá para pessoas e organizações que tenham auxiliado na distribuição dessas obras.
Na vida prática, porém, todo direito
enfrenta limitações. No caso da mania de
copiar músicas da internet, a primeira limitação é justamente de ordem prática:
como processar todas as pessoas que fazem downloads? São milhões, provavelmente dezenas ou centenas de milhões
de pessoas espalhadas pelo mundo.
Soa no mínimo arbitrário escolher a
esmo 43 meias dúzias de indivíduos entre os que usam os recursos KaZaA,
iMesh, Blubster, Grokster e Gnutella. São
bodes expiatórios, escolhidos para dar
um exemplo para lá de duvidoso.
Primeiro, de um ponto de vista mais
probabilístico, porque não parece que vá
ter muita eficácia. As chances de ser pego
e processado ainda são minúsculas (da
ordem de uma em 1 milhão, se houvesse
pelo menos 261 milhões de internautas
baixando músicas da rede). Só nos EUA
estima-se em 60 milhões o total de "criminosos". Seria preciso entupir a Justiça
com outros milhares de processos antes
que a garotada hormonalmente inclinada à contestação de fato se intimidasse.
Depois, porque isso equivale a cutucar
a onça com vara curta. A medida tornará
os produtores e fabricantes de discos
ainda mais impopulares do que já são
entre jovens, seus futuros e atuais consumidores. Se você duvida e tem uma adolescente conectada por perto, pergunte a
ela o que pensa do preço dos CDs.
"Ninguém gosta de bancar o truculento e ter de recorrer a processos", disse ao
jornal "The New York Times" Cary Sherman, presidente da Associação da Indústria Fonográfica dos Estados Unidos. Para ele, a Justiça se tornou o único meio de
frear uma atividade ilegal que está causando muitos prejuízos.
É verdade que os empresários foram
espertos, indo atrás daqueles usuários
que participam ativamente da distribuição de músicas e não tanto dos que só fazem a sua copiazinha para ouvir. Parece
que estão seguindo à risca o ensinamento da recém-nascida ciência das redes,
que manda atacar os mais conectados
para derrubar uma rede inteira.
O problema que a indústria desconsidera é que a maioria dos "criminosos"
não faz isso para ganhar dinheiro, mas
para se divertir. Baixar músicas da internet já se tornou uma prática social, um
costume, uma forma de cultura. Tentar
impedir isso aparece como censura. Tudo indica que a popularização dos computadores e a crescente conexão das pessoas permitida pela internet tornarão cada vez mais difícil controlar a cópia e o
intercâmbio de produtos culturais
-discos ou livros, filmes ou fotografias.
Está mais do que na hora de os gênios
do marketing queimarem seus miolos,
tão criativos, para inventar uma forma
de ganhar dinheiro com as novas redes
-como elas são. Não vão conseguir enfiá-las no figurino acanhado do mercado
nutrido com bolachas negras de vinil.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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