São Paulo, domingo, 22 de abril de 2007

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Memórias do solo

Experimento mais longo da história, que já dura 151 anos na Inglaterra, falha em registrar o aquecimento global, mas tem a marca de explosões nucleares

Instituto Rothamsted
Vista aérea do "Park Grass Experiment", no interior da Inglaterra, que existe desde 1856 e é os mais antigo do mundo


EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL A HARPEDEN

A s amostras do solo real britânico estocadas no Instituto Rothamsted guardam muitas histórias. Entre elas a falta de uma evidência robusta de que a maior quantidade de carbono lançada na atmosfera no século 20 esteja realmente tendo algum impacto sobre o crescimento dos vegetais. As longas séries históricas de dados disponíveis nas dependências do instituto britânico só existem porque em Harpeden existe algo de que os ingleses se orgulham de chamar de o experimento mais antigo do mundo. O Park Grass Experiment começou em 1856 -dois anos antes de Darwin publicar sua teoria da evolução e oito anos antes de James Maxwell enunciar o eletromagnetismo.
Todos os anos, sem exceção, uma área de 2,8 hectares é usada para a plantação de várias culturas. Controles diferentes de adubação e uso de nutrientes são feitos naquele espaço, que é dividido em parcelas. Após as duas colheitas anuais, amostras do solo e também das plantas são guardadas para a posteridade. É um acervo rico. "Nesse material nós não conseguimos ver, por exemplo, o aumento na concentração do carbono atmosférico que ocorreu no século 20", afirma Keith Goulding, um dos pesquisadores do Instituto Rothamsted, instituição de pesquisa agrícola responsável pelo experimento.
Essa ausência, entretanto, não é a prova que faltava para os incrédulos do aquecimento global começarem a comemorar, segundo Goulding. "Acredito totalmente no aquecimento global. Existem muitas evidências fortes dele, apesar de que boa parte dos meus colegas ainda não concordam com ele piamente." Os que crêem no novo clima global, como o diretor do instituto, Ian Crute, não têm dúvidas de qual o caminho a seguir. "Não adianta ficar na discussão entre adaptação ou mitigação. É preciso pensar em ambas.
São os lados da mesma moeda." Para os pesquisadores que já se debruçaram sobre o tema do carbono no solo britânico -cuja concentração deveria aumentar ano após ano num cenário de aquecimento- várias explicações podem ser dadas pela falta de relação entre o carbono atmosférico em maior quantidade e a falta de registros de que ele realmente interfere no desenvolvimento das culturas no Park Grass. A primeira é apenas uma questão de tempo. Talvez o intervalo ainda não seja muito grande para se detectar, via solo, essa alteração ambiental.
A segunda é uma explicação mais ligada ao universo ecológico. O crescimento das plantas ainda não foi alterado pelo carbono do ar porque outros fatores, como a temperatura, a chuva e os nutrientes podem estar fazendo com que a balança penda para o lado deles. A pequena quantidade de neve que surpreendeu a todos nos estertores do inverno britânico é talvez uma prova cabal disso. Se carbono atmosférico lançado pelo homem durante o século 20 ainda não deixou sua assinatura no solo e nas plantas britânicas, o mesmo não pode ser dito sobre os grandes testes nucleares, feitos principalmente no hemisfério Norte. Neste caso, a terra inglesa prova tudo.
"O nosso experimento de 150 anos registrou todos os grandes testes nucleares e também o acidente de Tchernobyl em 1986", explica Goulding.
Contador Geiger
Pesquisas feitas com o solo britânico em 2002, por exemplo, foram as primeiras a revelar que a radiação dos testes nucleares feitos no Deserto de Nevada, EUA, em 1952 e 1953, atravessou o Atlântico e chegou ao norte da Europa. Isso foi detectado por causa da variação no plutônio identificado pelas análises físico-químicas feitas com materiais coletados naqueles anos. Os Estados Unidos fizeram 84 testes nucleares ao ar livre em seu deserto nos anos 1950.
Na década seguinte, a radioatividade impregnada nas amostras do Instituto Rothamsted decaiu. Isso, dizem os cientistas, está relacionado com o fim dos testes nucleares. Em 1963 não apenas os Estados Unidos interromperam as explosões. O mesmo foi feito pelo próprio Reino Unido e pela antiga União Soviética.
Como a França e a China continuaram com as experiências nucleares, a grama e o solo britânico continuaram a flagrar isso também. O Park Grass Experiment registrou com precisão os testes nucleares mais potentes da história. No topo da lista aparecem as detonações feitas pelos americanos e pelo Reino Unido no Atol de Bikini, nas Ilhas Marshall e na ilha Christmas (Austrália) em 1954, 1956 e 1958 respectivamente. Os testes soviéticos no Ártico em 1958, 1961 e 1962 não ficaram atrás.
O jornalista EDUARDO GERAQUE viajou a convite do Consulado Britânico de São Paulo


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