São Paulo, sábado, 22 de junho de 2002

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CÉREBRO

Livro de pesquisador do MIT lançado no Brasil defende que humanidade criou línguas como instrumento evolutivo

Linguagem humana é inata, diz cientista

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Se existe algo parecido com um pop star na neurociência, o melhor candidato é Steven Pinker. Seu livro "O Instinto da Linguagem" (Martins Fontes, 627 págs., R$ 48), recém-lançado no Brasil, tenta provar que a linguagem é um traço moldado pela evolução, tão exclusivo da humanidade quanto a tromba é dos elefantes.
Pinker, um canadense de 48 anos, cabelo comprido que faz lembrar o visual de um roqueiro dos anos 80 e autor de alguns dos poucos best-sellers da área, lidera um laboratório no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Ele conquistou admiradores (principalmente admiradoras) e detratores com sua devoção à psicologia evolucionista -que prega a predominância da seleção natural para o surgimento da mente humana.
A principal ousadia de Pinker é atacar o velho pressuposto de que o pensamento é inseparável das diversas línguas humanas nas quais é expresso. Em entrevista à Folha, por e-mail, Pinker falou sobre os avanços na compreensão do cérebro e a idéia da linguagem como um órgão humano.

A primeira edição em inglês de seu livro é de 1994. Muita coisa aconteceu na neurociência desde então. O que mudou nas idéias que o sr. tem sobre o tema?
Steven Pinker -
Não mudei de idéia em nenhum aspecto fundamental, embora tivesse de modificar muitos detalhes por conta de descobertas nestes últimos anos. Escrevi, por exemplo, sobre um distúrbio da linguagem que aparecia numa grande família, provavelmente causado por um único gene. Hoje esse gene foi encontrado. Tem havido uma explosão dos estudos de ressonância magnética funcional aplicados ao cérebro, e eu teria de elaborar muito mais minha discussão sobre a linguagem e o cérebro.

Folha - A idéia de que as diferentes línguas moldam a mente de seus falantes com uma maneira específica de pensar ainda conta com enorme apoio. Por que isso acontece? E qual seria o papel de uma língua em particular na criação do instinto da linguagem?
Pinker -
Creio que as pessoas tendem a superestimar a importância da língua no pensamento porque as palavras que dizemos a nós mesmos são salientes -nós quase podemos "ouvi-las" nas nossas mentes- enquanto pensamentos abstratos são mais fugidios. É preciso pesquisa verdadeira em linguística e psicologia para revelar como seria o "mentalês".
Quanto ao papel da língua no pensamento: claro que nós aprendemos muito sobre o mundo com o que outras pessoas nos dizem. Se não fosse assim, a linguagem não teria evoluído. Mas muitos acham que nós realmente pensamos em inglês ou português e que somos incapazes de ter pensamentos que não podem ser expressos numa língua, o que para mim é bobagem.

Folha - O sr. defende a teoria da mente modular, que postula funções específicas para cada parte do cérebro. Há evidências, contudo, de que essas áreas podem ser muito mais versáteis em suas funções. Isso é um problema?
Pinker -
Na verdade, acho que "módulo" não é uma boa metáfora- "órgãos" e "tecidos" são melhores. O sangue é um tecido, por exemplo, e a pele é um órgão, embora nenhum dos dois esteja confinado a um lugar especial no corpo sobre o qual você possa traçar um círculo. Suspeito que as faculdades mentais sejam como órgãos: elas funcionam de uma forma coerente e distinta, mas podem estar distribuídas por uma porção grande e irregular do cérebro. Por essa razão é que elas são difíceis de localizar.

Folha - Alguns dos que trabalham com IA (inteligência artificial) parecem acreditar que, para criar uma máquina inteligente, basta dar o máximo de informações sobre o mundo ao computador. O sr. concorda?
Pinker -
Não, só esse estímulo não é suficiente -ou bastaria enfiar todo o conteúdo da internet num computador e ele seria capaz de falar! Creio que a IA vá progredir, especialmente se ela não tentar construir instruções de aprendizado supostamente capazes de aprender qualquer coisa. Programas desenhados para domínios específicos (pensar sobre pessoas, por exemplo, ou sobre objetos físicos) deverão ter uma maior perspectiva.

Folha - A maioria dos críticos da psicologia evolucionista diz que ela pode ser muito simplista: se as pessoas são egoístas, é porque isso as ajuda a propagar seus genes. Se são altruístas, é porque isso beneficia o grupo como um todo e ajuda a propagar seus genes. Dá para sair desse raciocínio circular?
Pinker -
Muitos desses críticos não leram nada de psicologia evolucionista, ou saberiam que essas explicações seriam derrubadas de cara. Não dá para apelar para o "benefício do grupo como um todo" para explicar o altruísmo, já que a seleção de grupos é um fator fraco se comparada à seleção de genes. E isso significa que o altruísmo só evoluiria em condições muito específicas, como em organismos que se encontram repetidamente e se reconhecem como indivíduos, retendo uma memória de favores ou ofensas. E, nesse tipo de interação social complexa e contínua, a linguagem é um fator inato essencial e exclusivo dos seres humanos.



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