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CÉREBRO
Livro de pesquisador do MIT lançado no Brasil defende que humanidade criou línguas como instrumento evolutivo
Linguagem humana é inata, diz cientista
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Se existe algo parecido com um pop star na neurociência, o melhor candidato é Steven Pinker. Seu livro "O Instinto da Linguagem" (Martins Fontes, 627 págs.,
R$ 48), recém-lançado no Brasil,
tenta provar que a linguagem é
um traço moldado pela evolução,
tão exclusivo da humanidade
quanto a tromba é dos elefantes.
Pinker, um canadense de 48
anos, cabelo comprido que faz
lembrar o visual de um roqueiro
dos anos 80 e autor de alguns dos
poucos best-sellers da área, lidera
um laboratório no MIT (Instituto
de Tecnologia de Massachusetts).
Ele conquistou admiradores
(principalmente admiradoras) e
detratores com sua devoção à psicologia evolucionista -que prega a predominância da seleção natural para o surgimento da
mente humana.
A principal ousadia de Pinker é
atacar o velho pressuposto de que
o pensamento é inseparável das
diversas línguas humanas nas
quais é expresso. Em entrevista à
Folha, por e-mail, Pinker falou
sobre os avanços na compreensão
do cérebro e a idéia da linguagem
como um órgão humano.
A primeira edição em inglês de
seu livro é de 1994. Muita coisa
aconteceu na neurociência desde
então. O que mudou nas idéias que
o sr. tem sobre o tema?
Steven Pinker - Não mudei de
idéia em nenhum aspecto fundamental, embora tivesse de modificar muitos detalhes por conta de
descobertas nestes últimos anos.
Escrevi, por exemplo, sobre um
distúrbio da linguagem que aparecia numa grande família, provavelmente causado por um único
gene. Hoje esse gene foi encontrado. Tem havido uma explosão
dos estudos de ressonância magnética funcional aplicados ao cérebro, e eu teria de elaborar muito
mais minha discussão sobre a linguagem e o cérebro.
Folha - A idéia de que as diferentes línguas moldam a mente de
seus falantes com uma maneira específica de pensar ainda conta com
enorme apoio. Por que isso acontece? E qual seria o papel de uma língua em particular na criação do
instinto da linguagem?
Pinker - Creio que as pessoas
tendem a superestimar a importância da língua no pensamento
porque as palavras que dizemos a
nós mesmos são salientes -nós
quase podemos "ouvi-las" nas
nossas mentes- enquanto pensamentos abstratos são mais fugidios. É preciso pesquisa verdadeira em linguística e psicologia para
revelar como seria o "mentalês".
Quanto ao papel da língua no
pensamento: claro que nós aprendemos muito sobre o mundo com
o que outras pessoas nos dizem.
Se não fosse assim, a linguagem
não teria evoluído. Mas muitos
acham que nós realmente pensamos em inglês ou português e que
somos incapazes de ter pensamentos que não podem ser expressos numa língua, o que para
mim é bobagem.
Folha - O sr. defende a teoria da
mente modular, que postula funções específicas para cada parte do
cérebro. Há evidências, contudo,
de que essas áreas podem ser muito mais versáteis em suas funções.
Isso é um problema?
Pinker - Na verdade, acho que
"módulo" não é uma boa metáfora- "órgãos" e "tecidos" são melhores. O sangue é um tecido, por
exemplo, e a pele é um órgão, embora nenhum dos dois esteja confinado a um lugar especial no corpo sobre o qual você possa traçar
um círculo. Suspeito que as faculdades mentais sejam como órgãos: elas funcionam de uma forma coerente e distinta, mas podem estar distribuídas por uma
porção grande e irregular do cérebro. Por essa razão é que elas são
difíceis de localizar.
Folha - Alguns dos que trabalham
com IA (inteligência artificial) parecem acreditar que, para criar
uma máquina inteligente, basta
dar o máximo de informações sobre o mundo ao computador. O sr.
concorda?
Pinker -Não, só esse estímulo
não é suficiente -ou bastaria enfiar todo o conteúdo da internet
num computador e ele seria capaz
de falar! Creio que a IA vá progredir, especialmente se ela não tentar construir instruções de aprendizado supostamente capazes de
aprender qualquer coisa. Programas desenhados para domínios
específicos (pensar sobre pessoas,
por exemplo, ou sobre objetos físicos) deverão ter uma maior
perspectiva.
Folha - A maioria dos críticos da
psicologia evolucionista diz que
ela pode ser muito simplista: se as
pessoas são egoístas, é porque isso
as ajuda a propagar seus genes. Se
são altruístas, é porque isso beneficia o grupo como um todo e ajuda a
propagar seus genes. Dá para sair
desse raciocínio circular?
Pinker - Muitos desses críticos
não leram nada de psicologia evolucionista, ou saberiam que essas
explicações seriam derrubadas de
cara. Não dá para apelar para o
"benefício do grupo como um todo" para explicar o altruísmo, já
que a seleção de grupos é um fator
fraco se comparada à seleção de
genes. E isso significa que o altruísmo só evoluiria em condições muito específicas, como em
organismos que se encontram repetidamente e se reconhecem como indivíduos, retendo uma memória de favores ou ofensas. E,
nesse tipo de interação social complexa e contínua, a linguagem é um fator inato essencial e exclusivo dos seres humanos.
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