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Micro/Macro
Viagem virtual ao centro da Terra
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Em 1981, o físico norte-americano
Marvin Ross propôs algo que chocaria o próprio Júlio Verne, escritor francês
que nos levou -ou pelo menos a nossa
imaginação- ao centro da Terra: o interior dos planetas Urano e Netuno era repleto de diamantes, "diamantes no céu",
como ele chamou seu artigo, inspirado
na canção dos Beatles.
Ross baseou-se em experiências que
estudam o comportamento da matéria a
pressões e temperaturas altíssimas, como no interior dos planetas do Sistema
Solar. Para simular tais ambientes, as experiências têm de gerar pressões milhões
de vezes maiores do que a pressão atmosférica terrestre e temperaturas de
milhares de graus.
É claro que essas experiências usam
métodos extremos. O mais dramático
emprega explosões nucleares para causar ondas de choque em amostras de materiais diversos. Outro, menos dramático, usa balas ultra-rápidas, que atingem
velocidades de até 10 km/s, dez vezes
maiores do que as balas comuns. O impacto com alvos diversos cria uma onda
de choque que gera pressões e temperaturas comparáveis às encontradas no interior de planetas.
Tanto bombas quanto balas duram
apenas frações de segundo, o que não é
tempo suficiente para fazer medições
muito precisas do que acontece com a
amostra. De qualquer forma, experimentos usando esses métodos, no início
dos anos 80, indicaram que certos gases
comuns nos planetas gigantes, como o
metano (CH4, um átomo de carbono e
quatro de hidrogênio), se dissociam em
componentes básicos quando submetidos a pressões como no interior de planetas. Foram esses experimentos que
inspiraram Ross a propor a teoria de diamantes no céu: caso o carbono fosse
mesmo dissociado sob altas pressões,
afundaria em direção ao centro do planeta, como uma chuva de diamantes.
Essa imagem, mesmo que poética, ainda está longe de ser confirmada. Não é
possível enviar sondas que analisem o
interior de planetas distantes. Aliás, nem
mesmo o da Terra, que permanece uma
das grandes incógnitas da ciência.
Outro método muito utilizado no estudo de matéria a altas pressões é uma
prensa de diamante: uma amostra de
material é posta entre dois cristais de diamante e espremida por um pistão. Com
isso, simulam-se pressões de até 5,6 milhões de atmosferas, o atual recorde,
maior que no centro da Terra. O problema é que o expediente não sustenta temperaturas elevadas. Acima de 2.000C, o
sistema deixa de funcionar. Portanto,
outro método tem de ser usado.
Aqui entram os computadores. Usando simulações chamadas de dinâmica
molecular, é possível simular as interações dentro de um grupo relativamente
pequeno de átomos quando submetidos
a altas pressões e temperaturas. Apesar
de esse método também ter problemas,
computadores cada vez mais poderosos
vêm resolvendo vários deles.
O mais óbvio vem de essas simulações
serem feitas em uma "grade" fixa (para
representar átomos em um computador,
é preciso especificar suas posições e velocidades em relação a uma grade, como se
cada um ocupasse um vértice num tabuleiro de xadrez). O problema é que,
quando a matéria é submetida a pressões
altas, ela se rearranja em redes cristalinas
diferentes, por exemplo passando de
uma forma cúbica para uma piramidal.
Como simular essa maleabilidade numa
grade fixa? Mais ainda, as interações entre os vários átomos obedecem às leis da
mecânica quântica, consideravelmente
mais complicadas do que as da física
clássica. Incorporá-las numa simulação
não é fácil.
Usando grades maleáveis, com forças
fictícias que simulam as interações entre
grupos com centenas de átomos, físicos
mostraram que o metano se dissocia,
mesmo, sob altas temperaturas e pressões. E que o interior da Terra é mesmo
rico em ferro líquido, cujas propriedades
sob altas pressões permaneciam desconhecidas. Ainda não sabemos se existem
diamantes no céu, mas a possibilidade
existe, ao menos nas viagens virtuais ao
centro dos planetas.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "Retalhos Cósmicos".
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