São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Periscópio

O peixe-zebra e a embriologia molecular

José Reis
especial para a Folha

Cerca de 300 cientistas compareceram à reunião anual de 1990 da Organização Européia de Biologia Molecular em Heidelberg, Alemanha, para examinar problemas do desenvolvimento dos vertebrados, especialmente à luz da biologia molecular. Vários desses pesquisadores haviam estado logo antes em Eugene, Oregon (EUA), participando de seminário que examinou meios de aproveitar em suas pesquisas o chamado peixe-zebra, ciprinídeo nativo do rio Ganges, que muito prometia como animal de laboratório nesse tipo de estudo.
Na última década, a embriologia molecular dos invertebrados deu passos gigantescos mediante experimentos com a drosófila, a conhecida mosquinha dos geneticistas, e com o verme Caenorhabditis elegans. A utilidade dessa dupla consiste em seus integrantes formarem excelente sistema para investigações combinadas de genética e embriogênese: o cientista pode ver os embriões desses animais e neles induzir mutações, que consegue relacionar com perturbações observadas no desenvolvimento.
A mesma facilidade não existia na compreensão em termos moleculares do desenvolvimento embrionário dos vertebrados. Para os estudos genéticos, há o camundongo, mas os embriões deste não são visíveis em condições normais. Para os estudos embriológicos, tem sido usada uma rã -a Xenopus laevis- cujos embriões podem ser vistos facilmente, mas cujo período de crescimento é longo demais para pesquisas genéticas.
O peixinho-zebra (Brachydanio rerio), comum em aquários, tem 5 cm de comprimento e pode ser a resposta para os embriologistas moleculares dos vertebrados, pois permite realizar pesquisas embriológicas e genéticas. Sua descoberta como animal de laboratório foi feita por George Streisinger na Universidade de Oregon, quando há 20 anos procurava um bom vertebrado para pesquisas genéticas. O peixinho tem bom tempo de geração (três meses), é prolífico produtor de ovos e seus embriões são transparentes, como na maioria dos peixes.
Durante muitos anos, Streisinger procurou desenvolver técnicas para criar e selecionar o peixinho no laboratório, coletar seus espermatozóides e óvulos e submeter seu DNA a mutações. Pesquisadores de outros centros não se deixavam impressionar pelo assunto, que permaneceu restrito ao pequeno grupo em Oregon. Mas hoje já são diversos, mesmo fora dos Estados Unidos, os grupos interessados no promissor peixe-zebra.
A utilidade do peixinho é bem documentada por Marcia Barinaga ("Science", 250, 34). Charles Kimmel e Judith Eisen realizaram experiência da maior significação com um mutante chamado "cauda de pá", no qual células que normalmente formam tecido muscular segmentado se desenvolveram numa espécie de pá na cauda do embrião. Algumas células nervosas nesse mutante também se desenvolvem anormalmente. Eisen e Robert Ho fizeram transplante de células entre embriões e verificaram que as células precursoras de músculo continuam a dirigir-se para a cauda, quando implantadas em embrião normal, mas as células nervosas do mutante crescem corretamente no embrião normal.
Parece não haver mais dúvida quanto ao aproveitamento do peixe-zebra nas pesquisas sobre desenvolvimento animal. Mas, para que isso se realize sistematicamente, ainda é preciso desenvolver técnicas que permitam, por exemplo, produzir mutantes em cada fase do processo, construir um mapa genético e criar métodos para clonagem e marcação do gene interessante.
Isso levará anos. Vários pesquisadores estão agora empenhados em chegar àqueles progressos técnicos.



Texto Anterior: Micro/Macro - Marcelo Gleiser: Viagem virtual ao centro da Terra
Próximo Texto: Ambiente: Amazônia tem vocação florestal, diz estudo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.