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Periscópio
O peixe-zebra e a embriologia molecular
José Reis
especial para a Folha
Cerca de 300 cientistas compareceram à reunião anual de 1990 da Organização Européia de Biologia Molecular em Heidelberg, Alemanha, para examinar problemas do desenvolvimento
dos vertebrados, especialmente à luz da
biologia molecular. Vários desses pesquisadores haviam estado logo antes em
Eugene, Oregon (EUA), participando de
seminário que examinou meios de aproveitar em suas pesquisas o chamado peixe-zebra, ciprinídeo nativo do rio Ganges, que muito prometia como animal de
laboratório nesse tipo de estudo.
Na última década, a embriologia molecular dos invertebrados deu passos gigantescos mediante experimentos com a
drosófila, a conhecida mosquinha dos
geneticistas, e com o verme Caenorhabditis elegans. A utilidade dessa dupla
consiste em seus integrantes formarem
excelente sistema para investigações
combinadas de genética e embriogênese:
o cientista pode ver os embriões desses
animais e neles induzir mutações, que
consegue relacionar com perturbações
observadas no desenvolvimento.
A mesma facilidade não existia na
compreensão em termos moleculares do
desenvolvimento embrionário dos vertebrados. Para os estudos genéticos, há o
camundongo, mas os embriões deste
não são visíveis em condições normais.
Para os estudos embriológicos, tem sido
usada uma rã -a Xenopus laevis- cujos embriões podem ser vistos facilmente, mas cujo período de crescimento é
longo demais para pesquisas genéticas.
O peixinho-zebra (Brachydanio rerio),
comum em aquários, tem 5 cm de comprimento e pode ser a resposta para os
embriologistas moleculares dos vertebrados, pois permite realizar pesquisas
embriológicas e genéticas. Sua descoberta como animal de laboratório foi feita
por George Streisinger na Universidade
de Oregon, quando há 20 anos procurava um bom vertebrado para pesquisas
genéticas. O peixinho tem bom tempo de
geração (três meses), é prolífico produtor de ovos e seus embriões são transparentes, como na maioria dos peixes.
Durante muitos anos, Streisinger procurou desenvolver técnicas para criar e
selecionar o peixinho no laboratório, coletar seus espermatozóides e óvulos e
submeter seu DNA a mutações. Pesquisadores de outros centros não se deixavam impressionar pelo assunto, que permaneceu restrito ao pequeno grupo em
Oregon. Mas hoje já são diversos, mesmo fora dos Estados Unidos, os grupos
interessados no promissor peixe-zebra.
A utilidade do peixinho é bem documentada por Marcia Barinaga ("Science", 250, 34). Charles Kimmel e Judith Eisen realizaram experiência da maior significação com um mutante chamado
"cauda de pá", no qual células que normalmente formam tecido muscular segmentado se desenvolveram numa espécie de pá na cauda do embrião. Algumas
células nervosas nesse mutante também
se desenvolvem anormalmente. Eisen e
Robert Ho fizeram transplante de células
entre embriões e verificaram que as células precursoras de músculo continuam a
dirigir-se para a cauda, quando implantadas em embrião normal, mas as células
nervosas do mutante crescem corretamente no embrião normal.
Parece não haver mais dúvida quanto
ao aproveitamento do peixe-zebra nas
pesquisas sobre desenvolvimento animal. Mas, para que isso se realize sistematicamente, ainda é preciso desenvolver técnicas que permitam, por exemplo,
produzir mutantes em cada fase do processo, construir um mapa genético e
criar métodos para clonagem e marcação do gene interessante.
Isso levará anos. Vários pesquisadores
estão agora empenhados em chegar
àqueles progressos técnicos.
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