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A diáspora de Santos-Dumont
Divulgação/Força Aérea Brasileira
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O 14-Bis faz seu vôo de 60 metros em Bagatelle, o primeiro de um aparelho mais pesado que o ar a decolar e pousar por meios próprios, em 23 de outubro de 1906, vencendo o Prêmio Archdeacon
Enquanto país comemora, amanhã, o centenário do vôo do 14-Bis, os acervos do inventor estão espalhados e correm risco; o principal deles sofreu até com ressacas da praia do Flamengo
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Desde 1891, quando
embarcou para Paris aos 18 anos de
idade, Alberto Santos-Dumont passou a fazer história e a construir, de forma intencional, um
acervo sobre sua vida. Hoje, 115
anos depois, o que resistiu desse acervo em solo brasileiro está espalhado, e sob risco. Parte
da documentação só existe graças a atitudes individuais.
O baú de vime com 2,2 mil
documentos, por exemplo, cruzou o oceano rumo ao Brasil
com o próprio Santos-Dumont.
Como lembra Marcos Villares
Filho, sobrinho-bisneto do
ilustre aviador brasileiro, foi o
próprio personagem que, na
Europa, contratou empresas
para selecionar tudo o que saísse nos jornais relacionado à
aviação. A maior parte desse
material falava dos próprios
feitos do mineiro de Barbacena
(Santos-Dumont nasceu no sítio Cabangu, distrito de Palmira, no dia 20 de julho de 1873).
"Comecei a me interessar
por tudo isso há pouco mais de
dez anos, quando ouvi essa história do baú, da própria Sophia
Helena, sobrinha-neta do inventor", contou Villares Filho à
Folha. O marido dessa nova
personagem da família é uma
das pessoas que contribuíram
de forma individual para preservar o patrimônio histórico.
Durante cinco anos, o tenente-brigadeiro-do-ar Lavenère-Wanderley recuperou quase
todos os recortes, a maior parte
publicados entre 1899 e 1903.
"O baú foi levado por Santos-Dumont para a Encantada (casa que ele tinha em Petrópolis,
região serrana do Rio de Janeiro). Por causa da Revolução
Constitucionalista de 1932, a
família, temendo eventuais saques, transportou o acervo para a cidade do Rio de Janeiro."
Apenas 30 anos depois é que
Lavenère-Wanderley resolveu
mergulhar naqueles papéis. "O
baú ficava no porão de uma casa da família no bairro do Flamengo. Não existia o aterro e a
água do mar chegava a atingir o
local", relata o sobrinho-bisneto do inventor brasileiro. Depois de passar pelas mãos de alguns guardiões, os recortes históricos chegaram a um local seguro. Os cinco álbuns catalogados estão sob responsabilidade
do Centro de Documentação
da Aeronáutica, no Rio de Janeiro. O órgão está digitalizando todo o conteúdo, que foi salvo das ondas do mar, e da revolta de 32 (ano da morte de Santos-Dumont). "Esse material
doado para a Aeronáutica é
muito rico, mas pouco conhecido da maioria do público", informa Villares Filho.
A questão do desconhecimento popular, sob alguns aspectos, pode ser ainda mais
grave. Até hoje, por exemplo,
não existe um museu exclusivamente montado sobre o pioneiro aviador nas grandes cidades brasileiras.
"Existem acervos em vários
locais, e todos estão sendo cuidados com a ajuda de pessoas.
Neste país, infelizmente, ainda
não temos a cultura institucional de preservar a história", argumenta o sobrinho-bisneto de
Santos-Dumont. Na lista de
iniciativas que tentam barrar a
diáspora do acervo, entra o nome de Monica Castelo Branco,
que cuida do museu da casa natal do aviador.
Corrente e cachorro
Na cidade de São Paulo, pelo
menos desde 1999, a sensibilidade pela figura de Santos-Dumont não está em alta. Desde
que o museu da Aeronáutica foi
retirado do Parque do Ibirapuera -os aviões históricos ficavam em exposição na Oca
(Pavilhão Governador Lucas
Nogueira Garcez)-, todo o
acervo foi colocado em dois galpões dentro do Cemucam
(Centro Municipal de Campismo), em Cotia, na Grande São
Paulo e, em plena comemoração do centenário, estão longe
dos olhos do público.
Apesar de existir uma placa
indicando um museu na entrada do parque, que é aberto ao
público, o visitante se decepciona quando tenta segui-la.
Primeiro uma corrente fechada. Depois, uma cerca, um portão sem ninguém e um cachorro latindo. O caseiro informa
que ali nunca foi um museu.
Mas que as peças ali depositadas, inclusive alguns aviões inteiros, recebem a atenção de
restauradores com freqüência.
"Lá funciona a nossa reserva
técnica", avisa o major-brigadeiro José Vicente Cabral
Checchia, presidente da Fundação Santos-Dumont. A instituição foi criada há exatos 50
anos, nas comemorações do
meio século do vôo do 14-Bis.
Agora, os itens mais importantes do acervo, como a nacele
(cesto onde fica o piloto durante o vôo) do 14-Bis, única peça
original do histórico avião, os
óculos e as luvas usadas no dia
23 de outubro de 1906 -dia que
o 14-Bis voou no Campo de Bagatelle, em Paris- , estão guardadas na Base Aérea de Guarulhos. "A boa notícia é que a prefeitura de Guarulhos vai desapropriar um terreno de 30 mil
metros quadrados para a criação do Museu Santos-Dumont", promete Checchia.
Segundo Edmilson Souza
Santos, secretário de Cultura
da cidade, o convênio entre o
município e a fundação Santos-Dumont, que já dura 48 meses,
será renovado por outros 60
meses. "Até o fim do ano que
vem, pelo menos parte do museu já deve estar funcionando."
Se uma das exceções sob cuidados públicos é a casa "Encantada", em Petrópolis (RJ), a cidade de São Paulo também
conta com um rico acervo sobre Santos-Dumont nas dependências do Museu Paulista, no
Ipiranga. Os 1,4 mil itens catalogados pela instituição estão
encastelados, sob guarda da
Universidade de São Paulo.
Mesmo o cesto do 14-Bis não
pode ser visto pelo público. Depois de guardado por anos, ele
será exposto, em Guarulhos,
apenas a partir de amanhã. Se,
além das pessoas, as instituições passarem a tomar conta
também dos acervos, talvez a
história documentada pelo
próprio Santos-Dumont ganhe
ainda mais relevância.
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