São Paulo, sexta-feira, 22 de novembro de 2002

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BIOTECNOLOGIA

Cientista dos EUA que brilhou com o genoma humano agora promete construir versão minimalista de micróbio

Venter quer refazer bactéria com US$ 3 mi

MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA

Craig Venter está de volta à praça, agora com a promessa de criar uma nova forma de vida. O cientista-empresário que antecipara em quatro anos o genoma humano anunciou que conseguiu verba de US$ 3 milhões do governo americano para tentar construir em três anos uma bactéria com o menor conjunto de genes sintéticos necessário para mantê-la viva.
O anúncio oficial foi feito ontem por seu recém-criado Instituto para Alternativas Biológicas de Energia (Ibea, na abreviação em inglês). Quando o comunicado à imprensa foi distribuído, a pesquisa já circulava nas páginas do jornal "The Washington Post".
São somente planos, mas planos de Venter acabam virando notícia, depois que a empresa por ele criada, a Celera, prometeu e cumpriu sequenciar (soletrar) em questão de meses todos os caracteres contidos no DNA da espécie humana. E Venter anda necessitado de notícias, agora que não é mais o presidente da Celera.
Mesmo não passando de intenção, a bactéria sintética de Venter mira dois alvos de grande repercussão: energia e guerra biológica. Uma idéia é pôr o micróbio básico para produzir hidrogênio, cuja queima para obtenção de energia não causa problemas ambientais como os derivados de petróleo.
"Com o consumo de combustíveis fósseis continuando a crescer e com o sério dano ambiental a nosso planeta, é imperativo explorar alternativas para minimizar essa situação", disse Venter no comunicado do Ibea. A justificativa também serve para explicar por que os US$ 3 milhões saíram do Departamento de Energia.
O cientista-empresário ainda se disse preocupado com aplicações maléficas de sua pesquisa, como o desenvolvimento de novos agentes microbianos para bioterrorismo: "Poderemos não divulgar todos os detalhes, que possam ensinar outras pessoas a fazer isso".

Genoma mínimo
Na realidade, de novo só há a verba aprovada. O conceito de genoma mínimo já havia sido posto em circulação por Venter e sua mulher, Claire Fraser, anos atrás, após terem sequenciado (soletrado) o DNA do microrganismo Mycoplasma genitalium.
Seu parceiro na nova empreitada é Hamilton O. Smith, Nobel de Medicina de 1978 por ter sido um dos descobridores das enzimas de restrição (espécie de tesoura molecular para cortar a molécula de DNA em pontos determinados, base da engenharia genética). Eles pretendem retirar do micróbio todos os seus 517 genes normais -o menor genoma conhecido- e devolver-lhe um conjunto sintetizado, com algo entre 265 e 350 genes (o genoma humano deve ter entre 30 mil e 80 mil).
O tamanho exato do genoma mínimo para o M. genitalium ainda tem de ser determinado, o que Venter e Smith planejam fazer montando primeiro num computador a rede de interações bioquímicas imprescindíveis para a bactéria viver. O passo seguinte seria sintetizar a sequência correspondente de DNA, na forma de cromossomo artificial, e injetá-lo em espécimes do micróbio desprovidos dos genes originais.
Quem acompanha o avanço da genética pode ter dúvidas quanto a isso ser factível, em três anos, mesmo para gênios de laboratório como Venter e Smith. Se der certo, o microrganismo minimalista poderia ser geneticamente manipulado e ganhar características desejadas, uma por vez.
Para evitar problemas de segurança, como a produção de um parasita novo para a espécie humana, os cientistas do Ibea prometem retirar do seu micróbio reconstruído todos os genes que acreditam necessários para que ele sobreviva fora do laboratório.


Com agências internacionais


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