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ANTROPOLOGIA
Fóssil estudado por cientistas brasileiros sugere que esses felinos ainda existiam na América há 9.100 anos
Tigre-de-dente-de-sabre viveu com humano
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Agora não resta mais dúvida: os
primeiros brasileiros, além de terem de enfrentar o ambiente hostil e em rápida modificação do fim
da Era do Gelo, ainda precisaram
escapar do temível Smilodon populator, o maior tigre-de-dente-de-sabre que já existiu na Terra.
A espantosa resistência do bicho, aliás, parece confirmar o velho ditado de que vaso ruim não
quebra. Ou melhor, demora um
bocado para quebrar: pesquisadores da USP acabam de provar
que a criatura ainda estava viva
há 9.100 anos, quando boa parte
da megafauna (os mamíferos gigantes que então habitavam as
Américas) já tinha ido para a cova
havia um bom tempo.
A nova data, que estabelece de
vez a convivência entre o felino e
os primeiros homens do Brasil,
foi obtida por Walter Neves e Luís
Beethoven Piló, do Laboratório
de Estudos Evolutivos Humanos
da USP. O tigre-de-dente-de-sabre foi escavado na região mineira de Lagoa Santa, a cerca de 50
km de Belo Horizonte -provavelmente o complexo arqueológico mais importante das Américas. Foi dali que veio o esqueleto
de "Luzia", o mais antigo ser humano do continente, com idade
estimada em 11,5 mil anos.
"Embora não tenhamos uma
idade exata da Luzia [porque não
foi possível datar os restos por
meio de técnicas precisas, como a
do carbono-14], sabemos que seres humanos provavelmente estavam em Lagoa Santa há mais de
11 mil anos, e com certeza absoluta a partir de 10,2 mil anos, quando temos uma data com carvão
de fogueiras", disse Neves à Folha. "Isso significa uma convivência de milhares de anos."
Os novos dados sobre a convivência entre o povo de Luzia e os
supermamíferos do Pleistoceno,
como os cientistas chamam a Era
do Gelo, vêm de fósseis que já estão por aí há mais de cem anos.
Trata-se da coleção montada pelo
naturalista dinamarquês Peter
Wilhelm Lund (1801-1880), o pesquisador que descobriu o imenso
potencial de Lagoa Santa e remeteu fósseis humanos e de megafauna para Copenhague.
Em agosto de 2002, Neves e Piló
conseguiram ir à capital dinamarquesa para estudar o espólio lundiano. Dos fósseis, no entanto, só
sete puderam ser datados: "É a
maldita falta de colágeno de Lagoa Santa", reclama Neves. Sem
essa molécula, que às vezes fica
preservada nos ossos, é impossível datar diretamente os fósseis.
De todas as datas obtidas pelos
pesquisadores em membros da
megafauna (que incluía também
preguiças gigantes e o extinto cavalo sul-americano), o felino é o
mais recente, com uma diferença
de milhares ou centenas de anos.
A criatura, com 1,2 m de altura
nos ombros e cerca de 400 kg, era
a maior do seu grupo, deixando
no chinelo os seus primos americanos da Califórnia. "Na região
havia um mosaico de cerrado e
floresta, além de manchas de
campo, já que havia cavalos ali",
diz Piló. Supõe-se que o S. populator caçasse em bandos, usando os
enormes caninos que lhe dão o
nome para estraçalhar as veias do
pescoço de suas vítimas.
A sobrevivência do bicho até
uma época tão tardia sugere, para
os pesquisadores, que ele não era
assim tão dependente das preguiças gigantes e outros mamíferos
de grande porte para sobreviver.
Além disso, as datações dos animais começam a traçar um quadro no qual aquela multidão de
gigantes não desapareceu toda de
uma vez (visão que Piló chama de
"catastrofista"), mas aos poucos,
por razões particulares.
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