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O biólogo norte-americano Richard Lewontin defende, em livro lançado nos EUA, que é preciso
considerar o efeito do ambiente como um fator essencial para o funcionamento dos genes
A terceira hélice
Divulgação
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Modelo de estrutura de dupla hélice do DNA, molécula que compõe o material genético dos seres vivos |
JOHN R. G. TURNER
especial para o "The New York Times"
O biólogo molecular Walter Gilbert, de acordo com
Richard Lewontin, uma vez declarou que, quando
a sequência do genoma humano estivesse completa, "(o
homem) iria saber o que é ser humano". Essa afirmação
seria: (a) uma forma elegante de descrever o que é ciência; (b) risível, pois só por meio de Deus seria possível
entender o que é ser humano; (c) a tentativa de um cientista em chamar atenção para conseguir recursos para
pesquisa; (d) lixo total? Segundo o livro "The Triple Helix" (A tripla hélice), a resposta certa é a última.
Subjazem aqui grandes afirmações filosóficas, não-explicitadas, como o que significa "explicar" algo e se o
futuro, especialmente o nosso próprio futuro, é predestinado ou incerto. A ciência não responde a essas perguntas: como cabe a um cientista, a opinião de Lewontin é mais pragmática e tende a perceber que a ciência
apenas prevê as coisas. Pessoalmente, eu gosto de pensar no Universo não como uma máquina (o que Lewontin aponta ser inválido), mas como uma rede de ônibus
na qual a identificação dos ônibus e a razão pela qual
eles continuam rodando não são conhecidas. A ciência
é como uma tabela de horários de um ônibus. Esqueça a
"verdade": se for possível conciliar os horários, haverá
uma chance muito melhor de conseguir pegar o ônibus.
DNA não é tudo
Não poderemos prever totalmente o funcionamento do Universo ao entender tudo sobre física de partículas. Da mesma forma, não será possível prever um ser humano, ou um organismo, com
base na sequência de DNA. Lewontin, um famoso biólogo e professor da Universidade Harvard, nos EUA,
mostra nesse livro que a sequência completa do genoma não informa, sem uma compreensão maior de bioquímica, quais moléculas serão produzidas quando
uma célula "lê" o genoma, porque não temos certeza
sobre a forma com que a leitura é suspensa e retomada
enquanto ocorre. Quando soubermos que partes foram
de fato lidas, não poderemos descrever o organismo resultante, porque ninguém é capaz de prever o "folding"
(estrutura tridimensional) da proteína
baseando-se exclusivamente na sua sequência de aminoácidos. É a estrutura
que determina o que a proteína fará na
célula.
Além disso, tudo é provocado por tudo
o mais de forma que não é possível separar uma coisa da outra. Como diz um velho ditado, "assassina-se para dissecar",
e qualquer investigador destrói o próprio fenômeno
que está investigando. Isso leva a um parodoxo holístico, que "prova" que a ciência é impossível. A tese de Lewontin é que a ciência funciona somente porque há
áreas circunscritas em que é possível fazer simplificações proveitosas. Embora na física seja impossível resolver um problema que envolva inúmeros corpos e
prever os movimentos de vários planetas com base na
força gravitacional que exercem entre si, ocorre que o
Sistema Solar foi construído de forma tal que se pode ignorar essa dificuldade na maior parte das vezes e prever
eclipses com apenas imprecisões triviais, realizando
cálculos mais simples, com dois corpos.
Na biologia, Lewontin acredita que há menos oportunidades para simplificações criativas do que os biólogos
gostam de imaginar, e as simplificações estão aptas a
nos colocar no ônibus errado. Considere, por exemplo,
os genes, o meio ambiente e a habilidade: é fácil supor
que, se no mesmo ambiente medíocre Tom desenvolve
sua educação e sua carreira melhor que Harry, então a
diferença está nos genes. Pode-se então supor que, colocado em um ambiente rico em educação, Tom, com
seus genes superiores, poderá ter uma carreira espetacular, quando comparado a Harry. Mas pode-se imaginar uma situação diferente, em que o ambiente mais rico evite que Tom tenha desafios, e ele se torna acomodado, deixando Harry, que não está mais
exposto à pobreza de oportunidades, em
posição de superá-lo. Como Lewontin
mostra em seus experimentos com plantas e moscas, a forma com que indivíduos geneticamente diferentes respondem a vários ambientes é imprevisível.
Da mesma forma, não podemos prever
a ecologia e a evolução simplesmente
com base no conhecimento sobre os organismos. Na
teoria da evolução, há o costume de pensar em um organismo separado do ambiente: a sobrevivência do organismo, quando desafiado pelo ambiente, é um processo de seleção natural. Mas, como Lewontin mostra,
isso é uma simplificação grosseira. Organismos mudam
e até certo ponto criam os seus ambientes da forma
mais óbvia, mas de maneira alguma exclusiva, poluindo-os. A vida evoluiu não apenas em resposta a mudanças dos aspectos físicos da Terra e da radiação solar,
mas como resposta a mudanças que a vida fez em relação à química do planeta. Na psicologia do desenvolvimento humano, sabe-se que crianças de diferentes temperamentos provocam comportamentos diversos em
seus pais. O que à primeira vista parece efeito da psicologia da educação às vezes é algo mais complicado:
quaisquer genes que influenciem o temperamento
criam também o próprio ambiente, que, inversamente,
influencia a personalidade.
Alfinetadas
Ao contrário da física, sugere Lewontin, a biologia é afetada pelo fato de que, em organismos, muitas causas mais fracas podem interagir, e o resultado é crucialmente dependente de acidentes da história e do estado inicial do sistema. Ele é vago na indeterminação e cauteloso sobre a teoria do caos, e nunca
menciona a indeterminação quântica. Lewontin subestima consideravelmente o poder que a ciência tem de
fazer previsões estatísticas entre múltiplas causas fracas
(câncer pode não "causar" a morte, que é inevitável,
mas fumar vai diminuir as chances estatísticas de longevidade). Ele também dá algumas deliciosas alfinetadas
em seus inimigos: capitalismo, psicólogos que preferem
a hereditariedade ("nature") ao ambiente ("nurture") e
conservacionistas que querem preservar o "ambiente".
Segundo ele, isso não existe: o ambiente só pode ser definido em relação a organismos que o habitam e não pode ser mantido de uma forma imutável.
O próximo estágio requer que os biólogos se concentrem menos nas sequências moleculares (que parecem
ser a resposta, mas não são) e voltem às disciplinas mais
tradicionais, como o estudo da forma tridimensional
aplicada a moléculas, embriões e organismos. Esse livro
é difícil, mas é um desafio muito gratificante, direcionado a persuadir biólogos profissionais a levar em consideração o que eles já sabem em algum grau de suas
consciências. O leitor não-especializado vai encontrar
na obra uma crítica construtiva das limitações da ciência feita por um cientista bem-sucedido e talentoso.
The Triple Helix
de Richard Lewontin
192 págs. US$ 22,95
Onde encomendar: Em SP, à Livraria Cultura (av. Paulista,
2.073, tel. 0/xx/11/285-4033).
John R. G. Turner é professor de genética evolutiva na Universidade de
Leeds, no Reino Unido
Tradução de Gabriela Scheinberg
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