São Paulo, domingo, 23 de abril de 2000


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+Ciência Paleontologia

Livro descreve as expedições de pesquisadores do Museu de História Natural, de Londres, com contratempos e surpresas encontradas pelo caminho
Caçadores de fósseis

Paleontólogos tentam montar crânio e vértebras de dinossauro a partir de fragmentos fósseis Marcelo Ferroni
Editor-assistente de Ciência

A descoberta de fósseis de milhões de anos é geralmente divulgada da maneira mais fria possível, ou seja, por meio de sua análise taxonômica em uma revista especializada. A aventura de procurar esses fragmentos mineralizados de seres vivos, em pontos isolados do planeta, fica de lado. E é exatamente isso o que um livro lançado recentemente no Reino Unido procura resgatar: o dia-a-dia dos "caçadores de fósseis". As descrições dos estudos são "descoloridas de tudo além de linguagem técnica", indica a introdução de "Travels With the Fossil Hunters". "O que se perde é a narrativa sobre a expedição, as noites sem sono, a comida curiosa (...), em outras palavras, todas as coisas reais que acontecem em uma caça a fósseis." E é disso que o livro é feito. Expectativas frustradas pela burocracia alfandegária, problemas para tomar banho e picadas de insetos desconhecidos. É como se os pesquisadores fossem mochileiros com verbas escassas, dispostos a passar por apertos em nome da aventura. O livro, repleto de ilustrações, é uma compilação de relatos de paleontólogos do Museu de História Natural, de Londres. Ele foi organizado por Peter Whybrow, pesquisador do museu, que colabora com o maior número de casos -3 de um total de 12. A maioria dos relatos consegue passar o clima de aventura dessas excursões. Alison Longbottom e outros pesquisadores, por exemplo, aportaram em Ceuta, cidade espanhola no Marrocos, sem a permissão de entrada para o país. Conclusão: "Sem orçamento para noites extras em um hotel, nós acampamos em um estacionamento perto do porto". "Como a única mulher, fiquei com o luxuoso apartamento de só um quarto que era o Land Rover." Depois de seguidos problemas com fronteiras, vieram finalmente os contratempos do deserto, onde a pesquisadora procurava fósseis de peixes de 60 milhões de anos. "A cada entardecer nós tínhamos de limpar todos os utensílios antes de preparar as refeições, mas logo nos acostumamos a comer e a sentir a areia do Saara em todos os alimentos." Crime e humor se misturam em outro relato. Chris Stringer e colaboradores iniciaram escavações em grutas na rocha de Gibraltar, em busca de restos de neandertais -primos distantes da linhagem que deu origem ao homem moderno. "Já no segundo dia de escavações de Vanguard (uma das grutas), em 1996, tivemos um choque. Uma nova área foi aberta na base da colina de areia, e alguns ossos de pés humanos foram descobertos não muito longe da superfície. Mas eles não eram os tão esperados ossos de um enterro neandertal -em vez disso, pareciam distintamente não-fossilizados e frescos." O sítio arqueológico precisou ser fechado para que a polícia local investigasse a origem da ossada.

Histórias de pescador
Em "Travels With the Fossil Hunters", há espaço também para as histórias que soam como exagero. Um paleontólogo recém-formado que foi convidado a dar aulas na Libéria (antes de o país ter sido destruído pela guerra civil) presenciou uma pessoa dando pontos no braço de outra com a ajuda de ferrões de formigas. A formiga picava a pele com tanta força, unindo as extremidades do ferimento, que sua cabeça era arrancada e servia de ponto da costura.
Há também o encontro com um xeque árabe. Whybrow e um colega foram expulsos do hotel em que estavam devido à chegada do presidente dos Emirados Árabes. Quando o presidente soube o que faziam, pediu para os ver e apresentar sua descoberta -o que restou do dente de um elefante pré-histórico.
Interessante é a última citação do livro, de "uma revisão anônima dos manuscritos". Na obra, que trata de experiências de britânicos em outros países, "seria legal ter um capítulo (...) sobre a recuperação de fósseis no Reino Unido, escrito por alguém, por exemplo, da África ou Ásia, que iria indicar o quão estupidamente ridículos são os britânicos."


"Travels With the Fossil Hunters", organizado por Peter Whybrow. Cambridge University Press. 212 págs. R$ 81,79. O livro pode ser obtido na livraria da Universidade de Cambridge (av. Paulista, 807, conjunto 1.218, São Paulo, SP, CEP 01311-915, tel. 0/xx/11/ 285-0191).


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