|
Texto Anterior | Índice
Periscópio
Sophie Germain
José Reis
especial para a Folha
Sophie Germain foi, segundo Edna E.
Kramer, a maior matemática francesa antes dos tempos atuais. Foi também
exemplo de precocidade, pertinácia e determinação de luta contra os preconceitos da sociedade, que de um modo geral
impedia a ascensão das mulheres da
classe média à educação superior.
Nasceu em Paris a 1º de abril de 1776.
Seu pai, Ambroise-Françoi Germain, era
abonado comerciante, que se elegeu deputado à Assembléia Constituinte de
1789 e foi um dos diretores do Banco da
França. Aos 13 anos Sophie era tímida e
estranha. Refugiava-se na biblioteca paterna e aprendeu por si mesma o grego, o
latim e outras matérias. A leitura da morte de Arquimedes por um soldado romano em Siracusa decidiu o seu propósito
de tornar-se matemática, estudando primeiro o tratado de Bezout sobre aritmética e passando a seguir às obras de Newton e Euler. Os pais e os amigos eram
contra essa decisão. Não obstante, o pai a
sustentou normalmente.
Tinha ela 19 anos quando se fundou a
Escola Politécnica. Obteve as notas de
aula de Lagrange e outros eminentes
mestres, e assim acompanhou o curso.
Lagrange a certa altura pediu que os alunos avaliassem o curso. Fazendo-se passar por homem e assinando-se Le Blanc,
ela preparou um relatório. Lagrange se
surpreendeu com a qualidade do trabalho e acabou descobrindo a verdadeira
identidade de seu autor, passando então
a orientar diretamente Sophie.
Esse tipo de educação era extraordinário no século 18, quando a ciência era ensinada apenas a algumas damas aristocráticas, mediante livros de divulgação
escritos especialmente para elas. Sophie
odiava esse tipo de obra. Cada vez mais
embevecida pela matemática, desenvolveu o hábito de escrever aos grandes sábios, comentando o ensinamentos que
lia em seus livros e propondo soluções e
problemas. Assim fez especialmente
com Lagrange e com Gauss. Conta-se
que, quando da invasão da Prússia por
Napoleão, Sophie conseguiu que um oficial francês procurasse o matemático.
Ela temia que Gauss tivesse a mesma sorte de Arquimedes, mas o oficial a tranquilizou. Gauss, por sua vez, ficou sabendo que seu estimado correspondente Le
Blanc era Sophie.
Na correspondência de Sophie os matemáticos encontravam muitas descobertas importantes, que referiam em
suas obras. Um dos grandes problemas
matemáticos da época era a solução do
chamado último teorema de Fermat. Sophie competiu com os grandes matemáticos e fez contribuições de valor, embora, como eles, não resolvesse o problema.
Outro episódio em que Sophie se envolveu foi quando o físico alemão Ernst
F.F. Chladin fez demonstrações sobre a
curiosa distribuição de areia numa placa
elástica tocada por um arco de violino. O
fenômeno, que para Lagrange não se enquadrava em nenhuma teoria, levou a
Academia de Ciências a abrir concurso
para a formulação da teoria. Três vezes
foi o concurso reaberto, e somente Sophie concorreu. Não foi feliz na primeira
vez, porém venceu na última, apesar de
restrições. Suas contribuições inspiraram nova visão dos assuntos tratados,
que dizia respeito à elasticidade.
Não se pode dizer que Sophie haja sido
desprezada pelos sábios a que recorreu.
Apenas um deles, Poisson, manifestou
repulsa aos seus trabalhos, mas a decidida Sophie deu-lhe o troco.
Durante dois anos sofreu os efeitos de
um câncer mamário e faleceu em Paris a
27 de junho de 1831. Sua obra inclui duas
publicações póstumas, uma da juventude ("Pensées Diverses") e outra plenamente madura, que mereceu elogio de A.
Comte ("Considérations Générales Sur
L'état des Sciences et des Letres").
Texto Anterior: Micro/Macro - Marcelo Gleiser: As verdades e incertezas do processo científico Índice
|