São Paulo, domingo, 23 de abril de 2000


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Periscópio

Sophie Germain

José Reis
especial para a Folha

Sophie Germain foi, segundo Edna E. Kramer, a maior matemática francesa antes dos tempos atuais. Foi também exemplo de precocidade, pertinácia e determinação de luta contra os preconceitos da sociedade, que de um modo geral impedia a ascensão das mulheres da classe média à educação superior.
Nasceu em Paris a 1º de abril de 1776. Seu pai, Ambroise-Françoi Germain, era abonado comerciante, que se elegeu deputado à Assembléia Constituinte de 1789 e foi um dos diretores do Banco da França. Aos 13 anos Sophie era tímida e estranha. Refugiava-se na biblioteca paterna e aprendeu por si mesma o grego, o latim e outras matérias. A leitura da morte de Arquimedes por um soldado romano em Siracusa decidiu o seu propósito de tornar-se matemática, estudando primeiro o tratado de Bezout sobre aritmética e passando a seguir às obras de Newton e Euler. Os pais e os amigos eram contra essa decisão. Não obstante, o pai a sustentou normalmente.
Tinha ela 19 anos quando se fundou a Escola Politécnica. Obteve as notas de aula de Lagrange e outros eminentes mestres, e assim acompanhou o curso. Lagrange a certa altura pediu que os alunos avaliassem o curso. Fazendo-se passar por homem e assinando-se Le Blanc, ela preparou um relatório. Lagrange se surpreendeu com a qualidade do trabalho e acabou descobrindo a verdadeira identidade de seu autor, passando então a orientar diretamente Sophie.
Esse tipo de educação era extraordinário no século 18, quando a ciência era ensinada apenas a algumas damas aristocráticas, mediante livros de divulgação escritos especialmente para elas. Sophie odiava esse tipo de obra. Cada vez mais embevecida pela matemática, desenvolveu o hábito de escrever aos grandes sábios, comentando o ensinamentos que lia em seus livros e propondo soluções e problemas. Assim fez especialmente com Lagrange e com Gauss. Conta-se que, quando da invasão da Prússia por Napoleão, Sophie conseguiu que um oficial francês procurasse o matemático. Ela temia que Gauss tivesse a mesma sorte de Arquimedes, mas o oficial a tranquilizou. Gauss, por sua vez, ficou sabendo que seu estimado correspondente Le Blanc era Sophie.
Na correspondência de Sophie os matemáticos encontravam muitas descobertas importantes, que referiam em suas obras. Um dos grandes problemas matemáticos da época era a solução do chamado último teorema de Fermat. Sophie competiu com os grandes matemáticos e fez contribuições de valor, embora, como eles, não resolvesse o problema.
Outro episódio em que Sophie se envolveu foi quando o físico alemão Ernst F.F. Chladin fez demonstrações sobre a curiosa distribuição de areia numa placa elástica tocada por um arco de violino. O fenômeno, que para Lagrange não se enquadrava em nenhuma teoria, levou a Academia de Ciências a abrir concurso para a formulação da teoria. Três vezes foi o concurso reaberto, e somente Sophie concorreu. Não foi feliz na primeira vez, porém venceu na última, apesar de restrições. Suas contribuições inspiraram nova visão dos assuntos tratados, que dizia respeito à elasticidade.
Não se pode dizer que Sophie haja sido desprezada pelos sábios a que recorreu. Apenas um deles, Poisson, manifestou repulsa aos seus trabalhos, mas a decidida Sophie deu-lhe o troco.
Durante dois anos sofreu os efeitos de um câncer mamário e faleceu em Paris a 27 de junho de 1831. Sua obra inclui duas publicações póstumas, uma da juventude ("Pensées Diverses") e outra plenamente madura, que mereceu elogio de A. Comte ("Considérations Générales Sur L'état des Sciences et des Letres").


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