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São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 2003

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HISTÓRIA

Habitantes da Papua-Nova Guiné conceberam técnicas agrícolas e podem ter sido os primeiros a cultivar banana

Oceania tinha agricultura há 7.000 anos

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Eles nunca construíram pirâmides e nunca escreveram em tabletes de argila. Têm uma organização social tão rudimentar que costumam ser retratados no Ocidente como o arquétipo do povo primitivo. Mas os papuanos, nativos de Papua-Nova Guiné, merecem bem mais consideração. Afinal, eles inventaram a agricultura, 7.000 anos atrás. E podem ter dado ao mundo a banana.
Não é que os habitantes dessa grande ilha ao norte da Austrália tenham sido os únicos pioneiros. A agricultura foi inventada independentemente no Oriente Médio, na China, na América do Sul e no leste dos EUA.
Mas um grupo de pesquisadores australianos acaba de adicionar a Nova Guiné à lista dos berços dessa inovação, que mudou definitivamente o mundo na pré-história. Seu trabalho confirma algo de que os arqueólogos brasileiros já desconfiavam: o cultivo de plantas não está necessariamente ligado ao surgimento de grandes civilizações.

Diferentes rotas
"A agricultura antiga e independente é frequentemente ligada a grandes expansões demográficas, estratificação social e à ascensão da "civilização'; nada disso é típico das sociedades da Nova Guiné, presentes ou passadas", afirmam na última edição da revista "Science" (www.sciencemag.org) os pesquisadores, liderados por Tim Denham, da Universidade Flinders, em Adelaide.
Evidências do cultivo de plantas na Nova Guiné são conhecidas dos arqueólogos desde a década de 60. Os antigos habitantes da ilha plantavam banana, "taro" (um tipo de inhame) e cana-de-açúcar, até verem a base de sua dieta substituída pela batata-doce -originária do Brasil e levada da América do Sul pelos colonizadores europeus- há 300 anos.
No entanto, até agora acreditava-se que a Nova Guiné fosse apenas uma zona de influência gastronômica do sudeste asiático, local em que os primeiros cultivos teriam começado e daí se espalhado pela Ásia e pela Oceania.
O primeiro a desconfiar dessa posição de satélite foi o arqueólogo australiano Jack Golson. Em 1977, ele encontrou no sítio de Kuk, na região montanhosa do vale de Waghi, evidências de canais escavados por plantadores de tubérculos com 9.000 anos. Suas descobertas nunca chegaram a ser totalmente confirmadas.
O grupo de Denhan voltou a escavar em Kuk usando ferramentas mais modernas. Eles coletaram mais de 20 amostras de várias camadas de solo do sítio, a fim de descobrir quando a floresta fora destruída e se seres humanos tiveram culpa no cartório -afinal, incêndios espontâneos têm o potencial de provocar a mudança.
Também procuraram amostras de fitólitos, cristais microscópicos que se formam nas plantas e que ficam no solo depois que o vegetal apodrece. Cada planta tem um tipo diferente de fitólito, que acaba servindo de assinatura da presença de uma espécie no solo.

Pais da banana
As análises do sítio e a datação de material orgânico coletado pelo método do radiocarbono mostraram que a ocupação humana no começo do Período Holoceno (a partir de 12.000 anos atrás) foi mesmo a causa da destruição da floresta em Kuk. Buracos e marcas de canais indicam, como sugerira Golson, que há cerca de 10.000 anos os papuanos, então caçadores-coletores, começaram a selecionar plantas de interesse, como o "taro". Nessa mesma época, os povos da Mesopotâmia começavam a domesticar o trigo.
O plantio sistemático propriamente dito teria começado há cerca de 7.000 anos. E uma surpresa: os fitólitos indicam quantidades enormes de banana na região, o que sugere terem sido os papuanos os primeiros a cultivá-la.
Depois de dominar a técnica na área pantanosa do vale, eles começaram a construir aterros e uma intrincada rede de canais de drenagem para as plantações de banana e "taro", há 4.000 anos.

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