São Paulo, domingo, 23 de agosto de 1998

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FUTURO
Novas técnicas permitem avaliar efeitos de drogas sem testes com organismos vivos
Dublês de órgãos

Universidade de Auckland/Divulgação
Imagem de computador simula a estrutura do coração humano e o comportamento do órgão sob a ação de medicamentos


MARCELO FERRONI
da Reportagem Local

A previsão dos efeitos colaterais de remédios deverá depender cada vez menos de testes com humanos e até com animais. A tecnologia da simulação de órgãos humanos já deu os primeiros passos para mapear a ação de novas substâncias no organismo.
A simulação usa dados de anatomia, biologia molecular, fisiologia e bioquímica para construir o "órgão virtual".
No caso do coração, primeiro modelo desenvolvido, o programa é capaz de simular sua atividade normal e problemas como a arritmia -batimento descompassado do órgão.
O trabalho, iniciado por Denis Noble, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, agora é também realizado pela Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, nos EUA, e pela Universidade de Auckland, na Nova Zelândia.
Os pesquisadores afirmam que, com o coração virtual, pode-se estudar doenças do órgão, testar o efeito de drogas e pesquisar a implantação de tecidos.
Segundo Raimond Winslow, da Johns Hopkins, cada dado utilizado pelo modelo corresponde a um volume de tecido cardíaco de cerca de mil células.
Os dados são agrupados, como peças de um quebra-cabeça, e o computador "cria" o coração.
Peter Hunt, de Auckland, diz que a simulação considera que os componentes do coração variam pouco e, assim, podem ser representados sem a necessidade de simular cada célula do órgão.
O software que "imita" o órgão foi desenvolvido basicamente pelas universidades de Oxford e de Auckland. "Nós (de Oxford) nos especializamos em modelar os processos celulares. Hunt (de Auckland), em desenvolver a anatomia do órgão", disse Noble.
Apesar de os computadores estarem cada vez mais sofisticados, Hunt diz que os cientistas nunca estarão satisfeitos com os modelos. "A simulação nunca terá fim pois à medida que os computadores se tornam mais rápidos, adicionamos mais detalhes",diz.
"Modelos são sempre "trabalhos em andamento', que incorporam continuamente novas informações", afirma Winslow.
O sistema não funciona em tempo real. "Cerca de 50 milhões de equações devem ser resolvidas a cada momento", diz Winslow. "Supercomputadores levam dezenas de horas para fazer isso."
Para a simulação, Oxford tem 72 processadores Silicon Graphics conectados em paralelo. "É a maior máquina dessa espécie na Europa", afirma Noble.
Os pesquisadores também estudam outras simulações, como os nervos e o metabolismo. Hunt já fez modelos dos pulmões e da circulação sanguínea.
O projeto se iniciou em 1960, quando Noble começou a desenvolver equações matemáticas que descrevessem o funcionamento das células no coração.
Segundo ele, porém, a pesquisa "séria" só foi iniciada em 1984, quando computadores mais eficazes foram desenvolvidos.
Em 1994, os pesquisadores fundaram a Physiome Sciences, destinada a utilizar os modelos para fins comerciais.
Em 1997, por exemplo, a empresa simulou os efeitos de uma droga no coração virtual a pedido da empresa Hoffmann-La Roche.
A Physiome testou os efeitos do Posicor, desenvolvido para combater a hipertensão, para verificar se a droga causava a arritmia como efeito colateral.
Os testes não identificaram a anomalia e o Posicor foi aprovado pela FDA (agência responsável pela liberação e fiscalização de drogas e alimentos).



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