São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005

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PALEONTOLOGIA

Dinossauro carnívoro achado na Patagônia é versão sul-americana do vilão de "Parque dos Dinossauros"

Grupo identifica velociraptor "cucaracha"

Fernando Novas/Divulgação
Pesquisadores exibem fóssil de articulações do pé esquerdo do animal, achado na Patagônia


REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Agora não restam mais dúvidas: um dos grupos mais ferozes de dinossauro carnívoro, do qual faziam parte seres como o famigerado Velociraptor, também aterrorizou a América do Sul. É o que indica a descoberta de uma nova espécie do grupo, que foi habitante do noroeste da Patagônia há cerca de 85 milhões de anos.
Trata-se do Neuquenraptor argentinus, descrito pelos paleontólogos Fernando Novas, do Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardo Rivadavia, e Diego Pol, da Universidade do Estado de Ohio (EUA), na edição de hoje da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com). No artigo, a dupla argumenta que o animal é um deinonicossauro.
"Em outras palavras, é um dinossauro carnívoro pertencente a um grupo que desenvolveu, no segundo dedo das patas traseiras, uma garra extremamente afiada", explicou Novas à Folha -daí o nome, que significa "lagarto de garra terrível" em grego latinizado. O espécime, embora não esteja muito completo (só sobraram fragmentos das patas da frente e de trás) preservou justamente essa garra. Em vida, estima-se que o bicho todo medisse cerca de 2 m.
"O material pode ser fragmentário, mas é muito diagnóstico [ou seja, permite uma identificação segura]. À primeira vista, a coisa parece correta", avalia o paleobiólogo Reinaldo José Bertini, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Rio Claro.
Bertini já havia sugerido a presença de deinonicossauros no Brasil, com base em dentes e fragmentos de ossos. Mas nenhum fóssil brasileiro permite a identificação de uma espécie.
Um subgrupo dos deinonicossauros engloba o Velociraptor, o mais temido vilão da série "Parque dos Dinossauros", e seu "primo" argentino, o Neuquenraptor. "Pelo visto, eram animais com uma distribuição muito ampla no mundo todo", afirma Novas. Até pouco tempo atrás, os paleontólogos achavam que as criaturas só tinham habitado o antigo supercontinente que reunia a Ásia e a América do Norte de hoje.

Cidadãos do mundo
O novo achado, no entanto, confirma que os bichos foram caçadores cosmopolitas -e por dezenas de milhões de anos. Explica-se: na época em que viveu o N. argentinus, a divisão dos supercontinentes já estava bem avançada, e provavelmente havia pouco contato entre a América do Sul e as regiões do norte do planeta.
"Mas, no Período Jurássico [mais de 60 milhões de anos antes], os continentes estavam mais próximos, e havia contato maior entre faunas e floras", diz Novas.
Um sinal de que os deinonicossauros já existiam no Jurássico é presença do célebre Archaeopteryx, a mais antiga ave, no fim desse Período. Como as aves são os parentes mais próximos dos deinonicossauros (não passam de dinos com penas), o grupo já devia estar bem formado na época.

Lobos ou seriemas?
O paleontólogo argentino aproveitou para criticar as interpretações mais recentes sobre o comportamento social e de caça do Velociraptor e de parentes seus, como o N. argentinus.
A temida garra das patas traseiras, por exemplo, andou sendo retratada como a arma de uma versão dinossauriana de Jack, o Estripador. Um chute seria o suficiente para expor as tripas de um grande herbívoro. "Eles provavelmente usavam a garra em lutas entre si e para caçar, mas nada garante que ela fosse empregada contra dinossauros maiores."
Para Novas, outro mito que Hollywood ajudou a espalhar é o de bichos que caçam em bando, como lobos. "Não gosto disso, porque creio que as melhores analogias são os parentes mais próximos deles vivos hoje, ou seja, aves carnívoras e corredoras, como seriemas, ou mesmo pássaros carniceiros. Mamíferos, como os lobos, não têm nada a ver com eles, ao menos em princípio."
Para o pesquisador, o mito de que o Velociraptor era um caçador cooperativo veio da descoberta, nos EUA, do esqueleto de um grande herbívoro com cinco deinonicossauros em volta. "Eles podiam muito bem ter se juntado ali como os urubus fazem hoje em torno da carniça", diz.


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