São Paulo, domingo, 24 de abril de 2005

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+ ciência

Livro do físico Tony Rothman tenta desfazer mitos sobre grandes inventores e cientistas ao mostrar que os protagonistas do conhecimento são as idéias

Gênios DO MARKETING

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Parafraseando Nelson Rodrigues, é a ciência como ela é. Impossível melhor definição para o novo livro do físico norte-americano Tony Rothman. Em "Tudo é Relativo", a missão do autor é basicamente demolir os mitos por trás dos grandes homens que fizeram a história da ciência e da tecnologia. Ou melhor, que escreveram a história, segundo a própria tese defendida por Rothman.
Os gigantes se apequenam, conforme o físico desfila pelo que ele chama de Panopticon Contemporâneo de Conceitos Passados e Atuais -uma espécie de museu, que ficticiamente conteria todas essas histórias normalmente escondidas do domínio público.
O livro (assim como o Panopticon) é divido em quatro domínios: o da física e astronomia, o da tecnologia (sem dúvida, o mais polêmico), o da química e o da biologia, e o da matemática, que, segundo o autor, não pôde ser visitado por conta de uma interdição para reformas (por razões que ele revela em entrevista à Folha, na página seguinte).
Segundo Rothman, nem todas as histórias na ciência são polêmicas. Ele pode até irritar alguns leitores brasileiros mais sensíveis, ao dizer, logo no começo, que "evitei tópicos sobre os quais não existem contendas". "Você não verá, aqui, um capítulo tentando provar que os irmãos Wright realmente construíram o primeiro avião equipado com motor capaz de transportar uma pessoa."
Ele também evitou o que chamou de ciência da Antigüidade, "com "antigo" significando mais de dois mil anos atrás, uma vez que não há sentido em argumentar sobre histórias que já viraram lendas".
Enfim, depois de fazer um recorte cuidadoso dos assuntos de que iria tratar, Rothman avança sobre os mitos -e arranca pedaços. Quem inventou o telefone, Alexander Graham Bell? E quanto ao rádio, Guglielmo Marconi? E a lâmpada elétrica, honra de Thomas Edison? O descobridor da penicilina, Alexander Fleming? O pai do telégrafo, Samuel Morse? Tente de novo.
De todos os retratados consagrados, só há uma personalidade que (quase) escapa aos ataques vorazes do físico: Albert Einstein. (O que nem chega a surpreender tanto, sendo o autor do livro um cosmólogo relativista.) Ainda assim, sobra para o célebre físico alemão.
"À medida que toma forma, a nova imagem de Einstein ainda é a de um gigante, mas com consciência total da ciência que o cercava na época e que reconhecia com má vontade -se chegava a fazê-lo- seus predecessores. A imagem também nos mostra alguém cujos relacionamentos amorosos estavam longe da santidade", escreve Rothman, num dos dois capítulos que dedica (direta ou indiretamente) ao criador da teoria da relatividade.
Tamanha é a fúria evocada contra alguns famosos que às vezes Rothman passa dos limites. Em mais de uma ocasião, ele faz hilações com base em pouca informação -e em muita especulação-, com o objetivo atribuir a certos inventores e cientistas conhecimento prévio sobre desenvolvimentos anteriores, não reconhecidos.
No mais das vezes, no entanto, sua argumentação é consistente, e o poder de destruir imagens idealizadas de certas personalidades é avassalador. Thomas Edison, da lâmpada, era um canalha. Graham Bell, um plagiador. Samuel Morse, do telégrafo, um paranóico. Marconi, um picareta. E por aí vai.

Sem saltos
Mas nem todos estão do lado escuro da Força. Para cada mito destruído, Rothman restitui outros tantos personagens esquecidos pelo rolo compressor do panteão dos heróis científicos. O resultado sai afinado com a realidade: a moral da história é que o avanço da ciência é feito aos poucos, em múltiplas e (às vezes) improváveis combinações de esforços paralelos e seriais entre vários indivíduos. Uma forma mais simples de dizer isso é que os protagonistas da ciência são as idéias, e não seus formuladores consagrados (que, invariavelmente, são os melhores publicitários, mas não necessariamente os principais contribuintes).
Curiosamente, o físico americano atribui aos cientistas o papel de perpetuadores dessas lendas. "Entenda, por favor, que cientistas são péssimos historiadores", ele escreve. "Durante muitos anos, a história da ciência foi escrita apenas por eles. Enquanto a ciência às vezes é lógica, o mesmo não ocorre com a história. Cientistas, equipados com faculdades analíticas superiores, são insuperáveis na reconstrução da história em uma narrativa contínua para chegarem ao presente estado de coisas. De qualquer modo, por que estragar uma boa história? Depois de vinte ou trinta anos na área, após contá-la e recontá-la centenas de vezes, depois de exagerar nos detalhes ou omitir parte deles, depois que a lógica e a visão perfeita em retrospectiva já a lavaram até estar pasteurizada, limpinha, você vai arruinar tudo? É claro que não. Você sabe que deve ter acontecido assim."
Como se tudo isso não bastasse, o livro de Rothman é também extremamente divertido. Suas histórias (ou anti-histórias, como ele as chama) oferecem lampejos apaixonantes sobre os personagens responsáveis pela versão enciclopédica da história da ciência.
Lutando contra o reducionismo histórico, Rothman chega a defender até a abolição do Prêmio Nobel, que, segundo ele, serve mais para corroborar essas versões pasteurizadas da história do que para reconhecer quem de fato possui os méritos. Sua narrativa torna o cenário das grandes idéias e invenções um ambiente muito mais interessante, cheio de intrigas, conflitos nacionalistas, recorrência de boas idéias, plágio e disputas por dinheiro e prestígio, do que fazem crer as lendas sobre os grandes gênios. Realidade na veia.


Tudo é Relativo - E Outras Fábulas da Ciência e Tecnologia
364 págs., R$ 42 de Tony Rothman. Editora Bertrand Brasil (r. Argentina, 171, 1º andar, CEP 20921-380, Rio de Janeiro, RJ, tel. 0/xx/21/ 2585-2070).



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