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+ ciência
Livro do físico Tony Rothman tenta desfazer mitos sobre grandes
inventores e cientistas ao mostrar que os protagonistas do conhecimento são as idéias
Gênios DO MARKETING
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Parafraseando Nelson Rodrigues, é a ciência como ela é.
Impossível melhor definição
para o novo livro do físico
norte-americano Tony Rothman.
Em "Tudo é Relativo", a missão do
autor é basicamente demolir os mitos por trás dos grandes homens que
fizeram a história da ciência e da tecnologia. Ou melhor, que escreveram
a história, segundo a própria tese defendida por Rothman.
Os gigantes se apequenam, conforme o físico desfila pelo que ele
chama de Panopticon Contemporâneo de Conceitos Passados e Atuais
-uma espécie de museu, que ficticiamente conteria todas essas histórias normalmente escondidas do
domínio público.
O livro (assim como o Panopticon) é divido em quatro domínios: o
da física e astronomia, o da tecnologia (sem dúvida, o mais polêmico), o
da química e o da biologia, e o da
matemática, que, segundo o autor,
não pôde ser visitado por conta de
uma interdição para reformas (por
razões que ele revela em entrevista à
Folha, na página seguinte).
Segundo Rothman, nem todas as
histórias na ciência são polêmicas.
Ele pode até irritar alguns leitores
brasileiros mais sensíveis, ao dizer,
logo no começo, que "evitei tópicos
sobre os quais não existem contendas". "Você não verá, aqui, um capítulo tentando provar que os irmãos
Wright realmente construíram o
primeiro avião equipado com motor
capaz de transportar uma pessoa."
Ele também evitou o que chamou
de ciência da Antigüidade, "com
"antigo" significando mais de dois
mil anos atrás, uma vez que não há
sentido em argumentar sobre histórias que já viraram lendas".
Enfim, depois de fazer um recorte
cuidadoso dos assuntos de que iria
tratar, Rothman avança sobre os mitos -e arranca pedaços. Quem inventou o telefone, Alexander Graham Bell? E quanto ao rádio, Guglielmo Marconi? E a lâmpada elétrica, honra de Thomas Edison? O descobridor da penicilina, Alexander
Fleming? O pai do telégrafo, Samuel
Morse? Tente de novo.
De todos os retratados consagrados, só há uma personalidade que
(quase) escapa aos ataques vorazes
do físico: Albert Einstein. (O que
nem chega a surpreender tanto, sendo o autor do livro um cosmólogo
relativista.) Ainda assim, sobra para
o célebre físico alemão.
"À medida que toma forma, a nova imagem de Einstein ainda é a de
um gigante, mas com consciência
total da ciência que o cercava na
época e que reconhecia com má
vontade -se chegava a fazê-lo-
seus predecessores. A imagem também nos mostra alguém cujos relacionamentos amorosos estavam
longe da santidade", escreve Rothman, num dos dois capítulos que dedica (direta ou indiretamente) ao
criador da teoria da relatividade.
Tamanha é a fúria evocada contra
alguns famosos que às vezes Rothman passa dos limites. Em mais de
uma ocasião, ele faz hilações com
base em pouca informação -e em
muita especulação-, com o objetivo atribuir a certos inventores e
cientistas conhecimento prévio sobre desenvolvimentos anteriores,
não reconhecidos.
No mais das vezes, no entanto, sua
argumentação é consistente, e o poder de destruir imagens idealizadas
de certas personalidades é avassalador. Thomas Edison, da lâmpada,
era um canalha. Graham Bell, um
plagiador. Samuel Morse, do telégrafo, um paranóico. Marconi, um
picareta. E por aí vai.
Sem saltos
Mas nem todos estão do lado escuro da Força. Para cada mito destruído, Rothman restitui outros tantos
personagens esquecidos pelo rolo
compressor do panteão dos heróis
científicos. O resultado sai afinado
com a realidade: a moral da história
é que o avanço da ciência é feito aos
poucos, em múltiplas e (às vezes)
improváveis combinações de esforços paralelos e seriais entre vários indivíduos. Uma forma mais simples
de dizer isso é que os protagonistas
da ciência são as idéias, e não seus
formuladores consagrados (que, invariavelmente, são os melhores publicitários, mas não necessariamente os principais contribuintes).
Curiosamente, o físico americano
atribui aos cientistas o papel de perpetuadores dessas lendas. "Entenda,
por favor, que cientistas são péssimos historiadores", ele escreve.
"Durante muitos anos, a história da
ciência foi escrita apenas por eles.
Enquanto a ciência às vezes é lógica,
o mesmo não ocorre com a história.
Cientistas, equipados com faculdades analíticas superiores, são insuperáveis na reconstrução da história
em uma narrativa contínua para
chegarem ao presente estado de coisas. De qualquer modo, por que estragar uma boa história? Depois de
vinte ou trinta anos na área, após
contá-la e recontá-la centenas de vezes, depois de exagerar nos detalhes
ou omitir parte deles, depois que a
lógica e a visão perfeita em retrospectiva já a lavaram até estar pasteurizada, limpinha, você vai arruinar
tudo? É claro que não. Você sabe que
deve ter acontecido assim."
Como se tudo isso não bastasse, o
livro de Rothman é também extremamente divertido. Suas histórias
(ou anti-histórias, como ele as chama) oferecem lampejos apaixonantes sobre os personagens responsáveis pela versão enciclopédica da
história da ciência.
Lutando contra o reducionismo
histórico, Rothman chega a defender até a abolição do Prêmio Nobel,
que, segundo ele, serve mais para
corroborar essas versões pasteurizadas da história do que para reconhecer quem de fato possui os méritos.
Sua narrativa torna o cenário das
grandes idéias e invenções um ambiente muito mais interessante,
cheio de intrigas, conflitos nacionalistas, recorrência de boas idéias,
plágio e disputas por dinheiro e
prestígio, do que fazem crer as lendas sobre os grandes gênios. Realidade na veia.
Tudo é Relativo - E Outras Fábulas da
Ciência e Tecnologia
364 págs., R$ 42
de Tony Rothman. Editora Bertrand Brasil (r.
Argentina, 171, 1º andar, CEP 20921-380,
Rio de Janeiro, RJ, tel. 0/xx/21/ 2585-2070).
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