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O demolidor DE MITOS
Em entrevista à Folha, Rothman explica qual é seu conceito de gênio e diz que o público confunde genialidade com notoriedade
Reprodução
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O suposto inventor do rádio, Guglielmo Marconi, um dos mais criticados por Rothman em seu livro |
DA REPORTAGEM LOCAL
Existem gênios e gênios. Essa é
uma das conclusões que tira o
físico Tony Rothman, após se
debruçar sobre a história da
ciência e das invenções. "Bem, eu
acredito que existam gênios, mas
eles são quase sempre gênios de um
certo modo, e bem comuns de outros", disse o autor de "Tudo é Relativo", em entrevista à Folha.
"Eu não gosto de rankings de cientistas, mas eu penso que, se alguém
precisa ranqueá-los, deveria ser em
três categorias: "habilidade natural",
"impacto no campo" e "percepção
pública". Provavelmente só Einstein
estaria no topo das três", arremata o
físico americano, elegendo seu campeão e aproveitando para alfinetar
um físico muito popular.
"Stephen Hawking, por exemplo,
tem uma grande habilidade natural
e vai bem em percepção pública,
mas na verdade não teve impacto
tão grande no campo quanto as pessoas podem pensar que ele teve",
afirma Rothman. "Infelizmente, o
público confunde personalidade
(etc.) com gênio." Leia mais sobre as
opiniões do cientista, na entrevista
abaixo.
(SN)
Folha - No início do livro, o sr. aponta que evitou assuntos em que não há
contendas, citando o primeiro vôo de
um avião com os irmãos Wright. No
entanto, ao final, o sr. reforça a noção
de que a história da ciência como um
todo (e não só os exemplos abordados
no livro) não é feita de pessoas, mas
idéias. Isso não é contraditório?
Rothman - Não estou certo de ter
entendido a pergunta. Eu sei que há
disputas sobre o avião, mas até onde
sei ninguém questiona o fato de que
os irmãos Wright de fato voaram em
um primeiro. Eu certamente apoiaria a posição de que na maioria dos
casos "se você não fizer alguma coisa, alguém fará", e praticamente nesses termos. As idéias estão no ar
-sua Zeitgeist [expressão alemã
que significa "o espírito dos tempos"]. Por outro lado, há (talvez excepcionais) casos sem disputas. Ninguém contesta que Einstein criou a
relatividade geral e, como ninguém
mais estava pensando nisso na época, é difícil pensar que alguém mais o
teria feito. De todo modo, eu não
acho que as duas afirmações sejam
contraditórias. Estava tentando
mostrar, ao iluminar todas as disputas, que os principais atores são as
idéias e que há poucas pessoas que
podem clamar propriedade exclusiva delas.
Folha - Em alguns capítulos, parece
que o sr. força a barra para vilanizar
os inventores e cientistas que levaram a fama, contra seus competidores. O sr. não acha que, para reforçar
sua idéia, acabou desconsiderando alguns exemplos reais de Zeitgeist?
Rothman - Algumas pessoas reclamaram que eu estava alvejando heróis e ficaram iradas porque eu disse
que Hedy Lamarr na verdade não
inventou a comunicação secreta,
mas eu acho que, para cada pessoa
que eu critico, eu ressuscito uma dúzia. Ninguém menciona que eu trouxe de volta à luz Abel Niepce de Saint
Victor, que deve ser creditado por
ter descoberto a radioatividade 40
anos antes de [Henri] Becquerel, ou
[John William] Nicholson, que primeiro quantizou o momento angular. Nem eu fiz nada além de elogios
para [Thomas] Young, [Joseph]
Henry e assim por diante.
No capítulo do elétron, eu acho
que fica bem claro que esse era um
exemplo de uma idéia cuja época havia chegado e eu não acho que tenha
criticado alguém -era apenas descoberta simultânea. Numas poucas
instâncias está claro que os participantes se comportaram mal. Becquerel fez de tudo para negar que
Niepce havia descoberto a radioatividade; Marconi foi implacável e
Morse simplesmente mentiu sobre o
curso dos eventos (mas ele era um
pouco paranóico). Menciono todas
essas coisas no livro porque acredito
que seja importante representar os
cientistas como pessoas, nem mais
nem menos.
Folha - O livro parece bem robusto
em termos de pesquisa histórica.
Quanto tempo o sr. levou para escrevê-lo desde as primeiras coletas de
dados até o produto final, e como o
processo se desenvolveu?
Rothman - Algumas das histórias
eu coletei durante o curso de minha
carreira. Eu sempre tive um olhar cético para as histórias que se lê em livros didáticos etc. Muitas das coisas
de Einstein eu sabia, como sou cosmólogo/relativista profissional. O
capítulo de Hedy Lamarr foi uma
derivação de pesquisa que fiz para
uma peça que escrevi sobre Lamarr
e [George] Antheil. Como eu estava
sob contrato, o livro levou 18 meses,
para pesquisa e redação, basicamente um capítulo por mês.
Folha - Considerando todo o seu esforço para humanizar os grandes ícones científicos, o sr. acredita que exista algo como um "gênio", uma pessoa
que pode resolver tudo com muito
pouca ajuda dos outros? Quem o sr.
colocaria nessa categoria?
Rothman - Bem, eu acredito que
existam gênios, mas eles são quase
sempre gênios de um certo modo, e
bem comuns de outros. É preciso
-vamos encarar isso- ter um certo QI para ser um grande físico, mas
muitos físicos fazem uma descoberta e isso é tudo. Uma grande quantidade de sorte também está envolvida. Eu não gosto de rankings de
cientistas, mas eu penso que, se alguém precisa ranqueá-los, deveria
ser em três categorias: "habilidade
natural", "impacto no campo" e
"percepção pública". Provavelmente só Einstein estaria no topo das
três. Stephen Hawking, por exemplo, tem uma grande habilidade natural e vai bem em percepção pública, mas na verdade não teve impacto
tão grande no campo quanto as pessoas podem pensar que ele teve. Por
outro lado, Ed Witten [americano,
um dos criadores da teoria das cordas], que iria pontuar bem em termos de habilidade e impacto em seu
campo, é quase totalmente desconhecido do público em geral. Infelizmente, o público confunde personalidade (etc.) com gênio.
Folha - É difícil de engolir sua razão
para ter evitado conflitos entre matemáticos no livro. Por que evitou falar
de matemática? Seria ótimo ter a história de Isaac Newton contra Gottfried Leibniz a respeito da invenção
do cálculo, por exemplo...
Rothman - Foi puramente uma
questão de espaço. O editor não deixou. Na verdade, tive de cortar um
capítulo sobre a invenção do computador.
Folha - Estamos no meio do chamado "Ano Internacional da Física", que
tomou por base os estudos de Einstein
de 1905 para comemorar o campo do
conhecimento como um todo. Considerando sua aversão a mitos de personalidade, essa foi uma má idéia?
Rothman - Bem, a física talvez não
seja tão importante atualmente
quanto a biologia, mas é importante.
Eu certamente gostaria de ver uma
apreciação mais razoável de como a
ciência caminha, mas, como o público exige heróis, não há muito que eu
possa fazer a respeito, e Einstein é a
escolha óbvia. Minha única mensagem no capítulo sobre a relatividade
era a de que ele não era tão inocente
quanto ele fazia crer em termos de
saber o que estava rolando. E ele certamente não foi sempre uma alma
particularmente generosa. Eu confesso ter uma certa implicância com
todos os livros que simplesmente repetem a mesma velha história.
Folha - Em sua opinião, todos os historiadores da ciência estão condenados à adoração das personalidades, a
despeito das idéias?
Rothman - Na verdade, não. Eu
acho que os verdadeiros historiadores da ciência -do tipo que escreve
para publicações acadêmicas- tentam evitar os cultos à personalidade
e fazem trabalhos acurados. O problema surge durante a transição para os ambientes mais populares. O
público está mais interessado em
personalidades do que em idéias. E
os cientistas, eu acho, são mais tendenciosos à adoração de heróis do
que os reais historiadores.
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