São Paulo, domingo, 24 de abril de 2005

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O demolidor DE MITOS

Em entrevista à Folha, Rothman explica qual é seu conceito de gênio e diz que o público confunde genialidade com notoriedade

Reprodução
O suposto inventor do rádio, Guglielmo Marconi, um dos mais criticados por Rothman em seu livro


DA REPORTAGEM LOCAL

Existem gênios e gênios. Essa é uma das conclusões que tira o físico Tony Rothman, após se debruçar sobre a história da ciência e das invenções. "Bem, eu acredito que existam gênios, mas eles são quase sempre gênios de um certo modo, e bem comuns de outros", disse o autor de "Tudo é Relativo", em entrevista à Folha.
"Eu não gosto de rankings de cientistas, mas eu penso que, se alguém precisa ranqueá-los, deveria ser em três categorias: "habilidade natural", "impacto no campo" e "percepção pública". Provavelmente só Einstein estaria no topo das três", arremata o físico americano, elegendo seu campeão e aproveitando para alfinetar um físico muito popular.
"Stephen Hawking, por exemplo, tem uma grande habilidade natural e vai bem em percepção pública, mas na verdade não teve impacto tão grande no campo quanto as pessoas podem pensar que ele teve", afirma Rothman. "Infelizmente, o público confunde personalidade (etc.) com gênio." Leia mais sobre as opiniões do cientista, na entrevista abaixo. (SN)
 

Folha - No início do livro, o sr. aponta que evitou assuntos em que não há contendas, citando o primeiro vôo de um avião com os irmãos Wright. No entanto, ao final, o sr. reforça a noção de que a história da ciência como um todo (e não só os exemplos abordados no livro) não é feita de pessoas, mas idéias. Isso não é contraditório?
Rothman -
Não estou certo de ter entendido a pergunta. Eu sei que há disputas sobre o avião, mas até onde sei ninguém questiona o fato de que os irmãos Wright de fato voaram em um primeiro. Eu certamente apoiaria a posição de que na maioria dos casos "se você não fizer alguma coisa, alguém fará", e praticamente nesses termos. As idéias estão no ar -sua Zeitgeist [expressão alemã que significa "o espírito dos tempos"]. Por outro lado, há (talvez excepcionais) casos sem disputas. Ninguém contesta que Einstein criou a relatividade geral e, como ninguém mais estava pensando nisso na época, é difícil pensar que alguém mais o teria feito. De todo modo, eu não acho que as duas afirmações sejam contraditórias. Estava tentando mostrar, ao iluminar todas as disputas, que os principais atores são as idéias e que há poucas pessoas que podem clamar propriedade exclusiva delas.

Folha - Em alguns capítulos, parece que o sr. força a barra para vilanizar os inventores e cientistas que levaram a fama, contra seus competidores. O sr. não acha que, para reforçar sua idéia, acabou desconsiderando alguns exemplos reais de Zeitgeist?
Rothman -
Algumas pessoas reclamaram que eu estava alvejando heróis e ficaram iradas porque eu disse que Hedy Lamarr na verdade não inventou a comunicação secreta, mas eu acho que, para cada pessoa que eu critico, eu ressuscito uma dúzia. Ninguém menciona que eu trouxe de volta à luz Abel Niepce de Saint Victor, que deve ser creditado por ter descoberto a radioatividade 40 anos antes de [Henri] Becquerel, ou [John William] Nicholson, que primeiro quantizou o momento angular. Nem eu fiz nada além de elogios para [Thomas] Young, [Joseph] Henry e assim por diante.
No capítulo do elétron, eu acho que fica bem claro que esse era um exemplo de uma idéia cuja época havia chegado e eu não acho que tenha criticado alguém -era apenas descoberta simultânea. Numas poucas instâncias está claro que os participantes se comportaram mal. Becquerel fez de tudo para negar que Niepce havia descoberto a radioatividade; Marconi foi implacável e Morse simplesmente mentiu sobre o curso dos eventos (mas ele era um pouco paranóico). Menciono todas essas coisas no livro porque acredito que seja importante representar os cientistas como pessoas, nem mais nem menos.

Folha - O livro parece bem robusto em termos de pesquisa histórica. Quanto tempo o sr. levou para escrevê-lo desde as primeiras coletas de dados até o produto final, e como o processo se desenvolveu?
Rothman -
Algumas das histórias eu coletei durante o curso de minha carreira. Eu sempre tive um olhar cético para as histórias que se lê em livros didáticos etc. Muitas das coisas de Einstein eu sabia, como sou cosmólogo/relativista profissional. O capítulo de Hedy Lamarr foi uma derivação de pesquisa que fiz para uma peça que escrevi sobre Lamarr e [George] Antheil. Como eu estava sob contrato, o livro levou 18 meses, para pesquisa e redação, basicamente um capítulo por mês.

Folha - Considerando todo o seu esforço para humanizar os grandes ícones científicos, o sr. acredita que exista algo como um "gênio", uma pessoa que pode resolver tudo com muito pouca ajuda dos outros? Quem o sr. colocaria nessa categoria?
Rothman -
Bem, eu acredito que existam gênios, mas eles são quase sempre gênios de um certo modo, e bem comuns de outros. É preciso -vamos encarar isso- ter um certo QI para ser um grande físico, mas muitos físicos fazem uma descoberta e isso é tudo. Uma grande quantidade de sorte também está envolvida. Eu não gosto de rankings de cientistas, mas eu penso que, se alguém precisa ranqueá-los, deveria ser em três categorias: "habilidade natural", "impacto no campo" e "percepção pública". Provavelmente só Einstein estaria no topo das três. Stephen Hawking, por exemplo, tem uma grande habilidade natural e vai bem em percepção pública, mas na verdade não teve impacto tão grande no campo quanto as pessoas podem pensar que ele teve. Por outro lado, Ed Witten [americano, um dos criadores da teoria das cordas], que iria pontuar bem em termos de habilidade e impacto em seu campo, é quase totalmente desconhecido do público em geral. Infelizmente, o público confunde personalidade (etc.) com gênio.

Folha - É difícil de engolir sua razão para ter evitado conflitos entre matemáticos no livro. Por que evitou falar de matemática? Seria ótimo ter a história de Isaac Newton contra Gottfried Leibniz a respeito da invenção do cálculo, por exemplo...
Rothman -
Foi puramente uma questão de espaço. O editor não deixou. Na verdade, tive de cortar um capítulo sobre a invenção do computador.

Folha - Estamos no meio do chamado "Ano Internacional da Física", que tomou por base os estudos de Einstein de 1905 para comemorar o campo do conhecimento como um todo. Considerando sua aversão a mitos de personalidade, essa foi uma má idéia?
Rothman -
Bem, a física talvez não seja tão importante atualmente quanto a biologia, mas é importante. Eu certamente gostaria de ver uma apreciação mais razoável de como a ciência caminha, mas, como o público exige heróis, não há muito que eu possa fazer a respeito, e Einstein é a escolha óbvia. Minha única mensagem no capítulo sobre a relatividade era a de que ele não era tão inocente quanto ele fazia crer em termos de saber o que estava rolando. E ele certamente não foi sempre uma alma particularmente generosa. Eu confesso ter uma certa implicância com todos os livros que simplesmente repetem a mesma velha história.

Folha - Em sua opinião, todos os historiadores da ciência estão condenados à adoração das personalidades, a despeito das idéias?
Rothman -
Na verdade, não. Eu acho que os verdadeiros historiadores da ciência -do tipo que escreve para publicações acadêmicas- tentam evitar os cultos à personalidade e fazem trabalhos acurados. O problema surge durante a transição para os ambientes mais populares. O público está mais interessado em personalidades do que em idéias. E os cientistas, eu acho, são mais tendenciosos à adoração de heróis do que os reais historiadores.


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