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Micro/Macro
Liberdade Assintótica
Marcelo Gleiser
colunista da Folha
Quando o Prêmio Nobel de Física deste ano foi anunciado, não pude deixar
de sorrir. Os três, Frank Wilczek, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts
(MIT), David Gross, do Instituto de Física
Teórica (IPT) da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, e H. David Politzer,
do Instituto de Tecnologia da Califórnia
(Caltech), foram premiados pela teoria que
desenvolveram explicando o misterioso
comportamento dos quarks, as partículas
que compõem prótons, nêutrons e centenas de outras menos famosas. Sorri porque
o prêmio era esperado há muito pela comunidade de físicos. E pelos premiados.
Em 1988, iniciei meu pós-doutorado no
ITP, hoje dirigido por David Gross. Na
época, ele ainda estava em Princeton e era
Frank Wilczek quem trabalhava no ITP.
Participava sempre de discussões com
Wilczek, um desses raros talentos da física
que pesquisam em várias áreas. Fora sua
famosa gargalhada, que vai de fora para
dentro como se ele estivesse se asfixiando,
Wilczek era também conhecido pelo seu
nervosismo, que atingia o clímax justo em
outubro, quando o Nobel é anunciado.
Em uma manhã de outubro de 1988, caminhava pelo corredor do ITP conversando com Wilczek quando apareceu David
Schramm, um astrofísico de Chicago que
também almejava o cobiçado prêmio.
Schramm, que morreu tragicamente pilotando seu avião sobre as montanhas do
Colorado, veio todo animado, exclamando
que Leon Lederman, um físico experimental muito seu amigo, havia ganho o Nobel.
A expressão de Wilczek dizia tudo: um
sorriso amarelo, derrotado e nada amistoso. As pessoas que o conhecem melhor dizem que todo outubro era a mesma coisa.
Wilczek mal podia dormir, esperando pelo
tal telefonema de Estocolmo. Bem, finalmente ele pode descansar em paz.
O prêmio é mais do que merecido. Durante os anos 1950, experimentos mostraram um número enorme de partículas ditas elementares, os hádrons. Todos eles,
que incluem o próton e o nêutron, têm algo em comum: interagem entre si por
meio da força nuclear forte, a mesma responsável pela coesão do núcleo atômico.
De fato, se o núcleo atômico é feito de
prótons, com carga elétrica positiva, e nêutrons, sem carga, e cargas iguais se repelem, o que evita a sua dissociação? A resposta, encontrada nos anos 1930, é que outra força atua no núcleo como um tipo de
cola, a força nuclear forte.
Em 1963, Murray Gell-Mann, do Caltech,
propôs que os hádrons fossem compostos
por partículas chamadas quarks. Tal como
os 92 átomos são compostos por apenas
três partículas (elétrons, prótons e nêutrons), os hádrons seriam produto de
combinações de seis quarks. O único problema é que, ao contrário de elétrons ou
prótons, ninguém jamais observou um
quark isolado. Como explicar isso?
Basicamente, os quarks não podem existir livres, fora dos hádrons; eles são prisioneiros eternos, como se fossem sementes
que jamais saíssem de dentro das frutas.
Imagine que os três quarks dentro de um
próton fossem ligados um ao outro por
molas. É fácil separar duas massas ligadas
por uma mola. Mas vai chegar um ponto
em que a mola arrebenta. Se tentarmos separar os quarks dentro do próton, a força
atrativa entre eles mantém-se a mesma e
mais energia é necessária. Eventualmente,
a "mola" se rompe e um novo par de
quarks aparece no ponto de ruptura.
O mesmo ocorre com uma corda ou um
ímã. Não podemos isolar um lado da corda
ou um pólo de um ímã, quebrando-o ao
meio; ficamos com dois ímãs menores na
mão, cada um com seus dois pólos.
Quando prótons colidem com elétrons
muito energéticos, a colisão ocorre com
um de seus três quarks. Experimentos
mostram que esse quark comporta-se com
se estivesse livre, viajando dentro do próton. Gross, Politzer e Wilczek mostraram
que, em altas energias, a força atrativa entre os quarks é desprezível. Os quarks ganham liberdade, uma liberdade assintótica, mesmo que efêmera.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro
"O Fim da Terra e do Céu"
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