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São Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 2003

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SAÚDE

Pesquisa mostra como plasmódio, micróbio causador da moléstia, retira cálcio do sangue do doente para sobreviver

Estudo da USP revela "truque" da malária

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Com ajuda de uma série de truques, o plasmódio -parasita causador da malária- consegue prosperar com folga no organismo humano. Uma dessas artimanhas acaba de ser desmascarada por pesquisadores da USP: eles descobriram como a criatura sobrevive à falta de cálcio, essencial para sua existência, dentro dos glóbulos vermelhos do sangue.
A descoberta pode oferecer aos cientistas um novo alvo para contra-atacar o Plasmodium falciparum e seus parentes, cuja ação mata cerca de 1 milhão de pessoas por ano no mundo, sobretudo na África (no Brasil houve 388 mil casos e 98 mortes em 2001).
"Entender como ele faz isso é um enorme salto", diz Célia Regina da Silva Garcia, 44, do IB (Instituto de Biociências) da USP. Em colaboração com Marcos Gazarini, Garcia coordenou o estudo publicado neste mês da revista científica "Journal of Cell Biology" (www.jcb.org). O trabalho foi tema do editorial da revista.
Garcia explica que a concentração de cálcio dentro das células vivas é sempre baixa. Ao mesmo tempo, o ideal para todas elas é que fiquem circundadas por um ambiente rico nesse elemento químico, com uma concentração cerca de 10 mil vezes maior. Uma série de reações químicas fundamentais para o metabolismo e para a multiplicação das células precisa de certas quantidades de cálcio para funcionar.
No caso do plasmódio, o próprio grupo da pesquisadora havia descoberto, em 2000, que o parasita usava o elemento para sinalizar os diferentes momentos de seu complicado ciclo de vida, que tem uma fase crucial no sangue (veja quadro à direita).
Para conseguir fazer isso, mesmo estando confinado nos glóbulos vermelhos com baixa concentração de cálcio, o micróbio usa o vacúolo parasitóforo (VP) -uma espécie de bolsa que envolve o plasmódio enquanto ele ocupa o interior dessas células sanguíneas.
"A nossa hipótese era que o VP funcionava como um microambiente no qual o plasmódio conseguia manter um nível elevado de cálcio", conta Garcia.
Para descobrir se havia mesmo uma diferença entre as concentrações do elemento dentro do vacúolo e no parasita, os pesquisadores usaram corantes que mudavam de cor na presença de cálcio. Por causa de sua composição química, um deles ficava restrito ao vacúolo, enquanto o outro entrava no plasmódio.
Como era de esperar, o corante que foi para o vacúolo gerou um brilho muito maior, denunciando altos níveis de cálcio. Faltava determinar, contudo, qual o mecanismo usado para obter as doses maciças do elemento escasso.
Já se sabia havia algum tempo que, para criar o VP, o parasita captura componentes da membrana da célula invadida, misturando-os aos que ele próprio constrói. "Os glóbulos vermelhos têm, na sua membrana, uma bomba de cálcio que expulsa o excesso do elemento para fora da célula", diz. "Quando o plasmódio a invade, ele vira essa bomba na direção contrária, e ela passa a mandar o cálcio para o vacúolo."
"Agora, com o genoma do plasmódio [cujo sequenciamento foi concluído no ano passado", vai ser possível saber como ele faz isso e bloquear o mecanismo", diz Garcia. A pesquisa teve apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).


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