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Antepassados não tão distantes
Os chimpanzés sofrem quando perdem a mãe ou um amigo
Quando Darwin afirmou, no século 19, que somos descendentes de macacos, que temos
mais a ver com criaturas peludas e barulhentas com rabos longos e dentes
afiados do que com anjos celestes, os
vitorianos ficaram ultrajados. Por
3.000 anos, a história que vinha sendo
contada era diferente. Seríamos criação de Deus, quase tão perfeitos quanto ele. Não fosse a ousadia de Adão e
Eva, estaríamos até agora passeando
nus pelo Jardim do Éden, sem sabermos da existência do pecado original.
Muita gente ainda se ofende com a
insistência dos cientistas em nos chamarem de macacos evoluídos. Mas
deveríamos nos orgulhar de nossos
antepassados, que encontraram
meios de sobreviver em um ambiente
austero e cheio de predadores.
Há 30 milhões de anos, babuínos,
chimpanzés e humanos eram indiferenciáveis. Desde então, variações genéticas submetidas à pressão da seleção natural foram criando as diferenças que resultaram nos três primatas.
Babuínos mostram uma grande sofisticação social, vivendo em grupos
de aproximadamente 150 indivíduos
que reúnem em torno de oito famílias.
Pesquisadores como Dorothy Cheney
(nenhuma relação com o vice-presidente americano) e Robert Seyfarth,
que passam longos períodos nas florestas de Botsuana, verificaram que
babuínos, especialmente as fêmeas,
desenvolvem fortes alianças familiares, defendendo membros da família
em caso de desavenças com outros babuínos ou em ataques de predadores.
Para tal, os primatas desenvolveram
meios de identificar seus parentes visualmente e por meio de vocalizações.
Não há dúvida de que o agrupamento
dos babuínos exibe traços que podemos identificar na nossa sociedade.
Quantas famílias têm um assobio especial que usam quando estão em lugares muito cheios?
Mas nossos parentes mais próximos
são os chimpanzés, com quem dividimos 98,4% dos nossos genes. Jane
Goodall, a pesquisadora inglesa que
revelou ao mundo a sofisticação dos
nossos primos, passou anos nas florestas da Tanzânia observando seu
comportamento.
Diferentemente dos babuínos, a característica mais marcante dos chimpanzés não é o agrupamento, mas a
sofisticação de seu comportamento.
Chimpanzés estão entre os poucos
animais que usam ferramentas para
efetuar tarefas. Cortam galhos longos
para "pescar" formigas e cupins em
troncos e cupinzeiros.
Como os babuínos, caçam em grupos e defendem seu território em ferozes guerras tribais. Como os humanos, sofrem quando perdem a mãe, o
pai ou um irmão, ou quando um companheiro de longa data morre. Esses
achados tornam difícil distinguir se
somos um pouco macacos ou se os
macacos são um pouco humanos. Certamente, eles nos remetem às nossas
origens evolucionárias.
Recentemente, um experimento na
Universidade de Kyoto, no Japão,
comparou a memória dos chimpanzés
com a dos humanos. Seqüências de
cinco números de um a nove foram
mostradas a estudantes e chimpanzés
por frações de segundo na tela de um
computador. Após 650 milésimos de
segundo, os números do monitor viravam quadrados brancos. O teste envolvia tocar os quadrados em ordem
numérica crescente.
Tanto os estudantes quanto o chimpanzé acertaram 80% das vezes.
Quando o intervalo baixou para 210
milisegundos, os humanos acertaram
40% das vezes e o chimpanzé 80%.
Perdemos para um macaco. "Talvez",
disse um dos pesquisadores, "nossa
habilidade para contar atrapalhe". No
mínimo, o experimento mostra que
nossos primos são bem menos distantes do que pensamos.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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