São Paulo, domingo, 25 de maio de 2008

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Nanotubos, amianto e câncer

Um chamado de alerta para os riscos da nanotecnologia

A nanotecnologia, ao lado da biotecnologia, é a tecnociência da hora. Engenheiros do mundo todo estão de olho comprido em materiais projetados na escala do bilionésimo de metro (ou milionésimo de milímetro). Sua estrela são os nanotubos de carbono, mas ela foi mais uma vez embaçada pela suspeita de que possa vir a causar câncer.
Nanotubos são folhas enroladas de átomos de carbono arranjados numa geometria de hexágonos encaixados, similar à de uma tela de galinheiro.
Um material leve como plástico, mas resistente como aço. Estudam-se múltiplas aplicações, de veículos para remédios a eletrônica avançada, com mercado potencial de US$ 2 bilhões dentro de 4 a 7 anos.
Há vários tipos de nanotubo. Um dos mais usados tem várias camadas concêntricas (tubos dentro de tubos) e é longo. Em inglês, recebeu como apelido a sigla MWNT (de "multiwalled nanotubes").
Não é de hoje que se investiga a hipótese de que nanomateriais causem dano à saúde. Por conterem partículas diminutas, são mais facilmente assimiláveis por estruturas como células. Para o bem (se forem remédios) ou para o mal (se forem tóxicas).
As fibras de MWNT se assemelham às de amianto, material mineral da natureza vinculado a um tipo de câncer (mesotelioma) no pulmão. Células de defesa do corpo, como os macrófagos, não conseguem tirar da superfície interna do órgão todas as minúsculas fibras de amianto aspiradas. Segue-se eventualmente uma reação inflamatória, que pode dar origem ao tumor.
Dada a semelhança entre fibras de MWNT e de amianto, pesquisadores dos EUA e do Reino Unido decidiram investigá-las. Liderados por Kenneth Donaldson, da Universidade de Edimburgo (Escócia), injetaram fibras longas e curtas tanto de amianto quanto de MWNT na cavidade abdominal de camundongos, que tem uma camada de revestimento (mesotélio) similar à do pulmão.
O trabalho saiu nesta semana na edição online do periódico especializado "Nature Nanotechnology" (www.nature.com/nnano). Constatou-se que os nanotubos longos, assim como as fibras idem de amianto, desencadeiam a reação inflamatória precursora do mesotelioma. Não ficou provado, portanto, que MWNTs causem câncer, mas o resultado recomenda com ênfase que se façam mais pesquisas para avaliar melhor esse risco.
"Ainda não sabemos se os nanotubos de carbono se tornarão aerossóis e serão inalados, ou se, caso de fato alcancem os pulmões, poderão encontrar o caminho até o revestimento sensível mais externo", ressalva Donaldson em comunicado do Projeto sobre Nanotecnologias Emergentes (www.nanotechproject.org). "Mas, se acabarem chegando lá em quantidade suficiente, há uma chance de que algumas pessoas venham a desenvolver câncer -talvez décadas depois de respirar a coisa."
A boa notícia, do ponto de vista da promissora nanotecnologia, é que a reação pré-tumoral não ocorre com fibras MWNT mais curtas, ou curvas.
Para Donaldson, conhecer essas propriedades dos nanotubos facilitará também a pesquisa sobre como evitar seus danos à saúde humana.
"[O artigo] é um chamado de alerta para a nanotecnologia, em geral, e para os nanotubos de carbono, em particular", afirma Andrew Maynard, consultor científico do projeto e co-autor do trabalho. "Não podemos nos permitir não explorar esse material incrível, mas tampouco podemos nos permitir usá-lo erradamente -como fizemos com o amianto."


MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br


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