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Nanotubos, amianto e câncer
Um chamado
de alerta para
os riscos da
nanotecnologia
A nanotecnologia, ao lado da biotecnologia, é a tecnociência da
hora. Engenheiros do mundo
todo estão de olho comprido em materiais projetados na escala do bilionésimo de metro (ou milionésimo de
milímetro). Sua estrela são os nanotubos de carbono, mas ela foi mais uma
vez embaçada pela suspeita de que
possa vir a causar câncer.
Nanotubos são folhas enroladas de
átomos de carbono arranjados numa
geometria de hexágonos encaixados,
similar à de uma tela de galinheiro.
Um material leve como plástico, mas
resistente como aço. Estudam-se
múltiplas aplicações, de veículos para
remédios a eletrônica avançada, com
mercado potencial de US$ 2 bilhões
dentro de 4 a 7 anos.
Há vários tipos de nanotubo. Um
dos mais usados tem várias camadas
concêntricas (tubos dentro de tubos)
e é longo. Em inglês, recebeu como
apelido a sigla MWNT (de "multiwalled nanotubes").
Não é de hoje que se investiga a hipótese de que nanomateriais causem
dano à saúde. Por conterem partículas
diminutas, são mais facilmente assimiláveis por estruturas como células.
Para o bem (se forem remédios) ou
para o mal (se forem tóxicas).
As fibras de MWNT se assemelham
às de amianto, material mineral da natureza vinculado a um tipo de câncer
(mesotelioma) no pulmão. Células de
defesa do corpo, como os macrófagos,
não conseguem tirar da superfície interna do órgão todas as minúsculas fibras de amianto aspiradas. Segue-se
eventualmente uma reação inflamatória, que pode dar origem ao tumor.
Dada a semelhança entre fibras de
MWNT e de amianto, pesquisadores
dos EUA e do Reino Unido decidiram
investigá-las. Liderados por Kenneth
Donaldson, da Universidade de Edimburgo (Escócia), injetaram fibras longas e curtas tanto de amianto quanto
de MWNT na cavidade abdominal de
camundongos, que tem uma camada
de revestimento (mesotélio) similar à
do pulmão.
O trabalho saiu nesta semana na
edição online do periódico especializado "Nature Nanotechnology"
(www.nature.com/nnano). Constatou-se que os nanotubos longos, assim
como as fibras idem de amianto, desencadeiam a reação inflamatória
precursora do mesotelioma. Não ficou
provado, portanto, que MWNTs causem câncer, mas o resultado recomenda com ênfase que se façam mais pesquisas para avaliar melhor esse risco.
"Ainda não sabemos se os nanotubos de carbono se tornarão aerossóis e
serão inalados, ou se, caso de fato alcancem os pulmões, poderão encontrar o caminho até o revestimento
sensível mais externo", ressalva Donaldson em comunicado do Projeto
sobre Nanotecnologias Emergentes
(www.nanotechproject.org). "Mas, se
acabarem chegando lá em quantidade
suficiente, há uma chance de que algumas pessoas venham a desenvolver
câncer -talvez décadas depois de respirar a coisa."
A boa notícia, do ponto de vista da
promissora nanotecnologia, é que a
reação pré-tumoral não ocorre com fibras MWNT mais curtas, ou curvas.
Para Donaldson, conhecer essas propriedades dos nanotubos facilitará
também a pesquisa sobre como evitar
seus danos à saúde humana.
"[O artigo] é um chamado de alerta
para a nanotecnologia, em geral, e para os nanotubos de carbono, em particular", afirma Andrew Maynard, consultor científico do projeto e co-autor
do trabalho. "Não podemos nos permitir não explorar esse material incrível, mas tampouco podemos nos permitir usá-lo erradamente -como fizemos com o amianto."
MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais -
Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas
Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia
(cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br
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