São Paulo, domingo, 25 de junho de 2006 |
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+ ciência Fatos fundadores
Arqueólogo da Universidade Federal de Minas Gerais monta panorama da pré-história brasileira em livro para leigos CLAUDIO ANGELO EDITOR DE CIÊNCIA Deixe a camisa canarinho de lado por alguns momentos e pense um pouco em um outro tipo de identidade nacional. Uma que não corre o risco de se dissolver em 90 minutos nos pés de um atacante adversário, porque foi forjada ao longo de mais de 12 mil anos. Que remete a muito antes do futebol e da colonização européia, a tempos em que não havia uma, mas dezenas ou centenas de nações distintas, de línguas e culturas diferentes, ocupando o território que depois convencionou-se chamar Brasil. Encontre o Brasil de antes dos brasileiros. O convite é feito num livro recém-lançado por um pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais. Um convite duplamente paradoxal. Primeiro, porque chama os brasileiros a se identificarem com o passado não de uma nação mas de uma Babel. Depois, porque é feito ele mesmo por um "estrangeiro": o francês André Pierre Prous Poirier, um dos grandes nomes da arqueologia... brasileira. As aspas se justificam. Apesar da origem, Prous, 62, está radicado no Brasil desde os anos 1970 e por aqui construiu toda a sua carreira acadêmica. Ele integrou a célebre missão francesa liderada por Annette Laming-Emperaire que desenterrou em 1974, numa gruta na região de Lagoa Santa, Minas Gerais, o crânio de Luzia, um dos mais antigos restos humanos das Américas. Desde então, tem se firmado como um dos maiores conhecedores da pré-história do Brasil Central. Em "O Brasil Antes dos Brasileiros", o sisudo Prous tenta pela primeira vez compartilhar as emoções de sua profissão com o público leigo. A iniciativa é louvável, mas o resultado acaba sendo tão empolgante quanto uma partida da sua nativa França na Copa de 2002. Para seu crédito como cientista -e demérito como divulgador de ciências-, o arqueólogo deixa muito claro de saída que não fará especulações nem mergulhará em controvérsias. O livro é um panorama seco da pré-história brasileira, começando com o homem de Lagoa Santa e terminando nas chamadas sociedades complexas da Amazônia. Para traçá-lo, Prous se limita às evidências sólidas -e algo escassas- do registro arqueológico nacional: ferramentas de pedra, ossos mal-preservados pelo clima úmido do país, fragmentos de cerâmica, pinturas rupestres. Embora admita que não há "fatos objetivos" na arqueologia, apenas interpretações decorrentes do viés do cientista ao ler o registro enterrado, o francês se recusa ele mesmo a partilhar essa subjetividade. Sua obra é descritiva, altamente informativa, quase cartesiana. Em nada lembra os escritos empolgados -e abertamente especulativos- da americana Anna Roosevelt sobre as chefaturas amazônicas, que, se podem dar margem a discussão de um lado, de outro ganham em vivacidade e atualidade ao tratar povos indígenas pré-cabralinos sobre os quais se sabe muito pouco como sociedades ou culturas. Prous os chama de "tradições" culturais. O francês também se furta a discutir em detalhe grandes polêmicas da arqueologia brasileira atual: a questão da presença de sociedades complexas na Amazônia, a cada vez menos polêmica filiação de Luzia e da "raça" de Lagoa Santa com povos não-mongolóides e as datações dos vestígios humanos no Piauí -motivo de um processo movido contra ele por sua patrícia Niède Guidon, a arretada diretora do Parque Nacional da Serra da Capivara. Descendo do salto O livro começa a ficar interessante mesmo no último capítulo, que vale a obra. É justamente quando o francês desce da banqueta da objetividade professoral e ensaia pôr o dedo nas mazelas da arqueologia brasileira, no sentido largo: os "mitos redutores", como o evolucionista (a progressão obrigatória de bando a Estado) e o do "índio ecologista", e a arqueologia de contrato, que esvazia a pesquisa acadêmica. Apesar dos momentos tediosos, o livro se presta a uma introdução rápida à pré-história. Mas vale mais a pena mergulhar no clássico de Prous "Arqueologia Brasileira", de 1990. O catatau (613 páginas na edição mais recente, de 2003) não é muito mais difícil de ler do que "O Brasil Antes dos Brasileiros" e possui uma riqueza de informações que o torna parada obrigatória em qualquer viagem a tempos pré-cabralinos. Este sim, um gol de placa. LIVRO - "O Brasil Antes dos Brasileiros - A Pré-História do Nosso País" André Prous; Jorge Zahar Editor; 144 págs. R$ 29 Texto Anterior: Marcelo Gleiser: Conciliando ciência e religião Próximo Texto: Marcelo Leite: Projeto animal Índice |
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