UOL


São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2003

Próximo Texto | Índice

AMBIENTE

Dissolução no mar de gás carbônico da queima de combustíveis fósseis será nocivo a seres marinhos, como corais

CO2 fará acidez do oceano bater recordes

MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Nos próximos séculos, os humanos poderão ver os oceanos em seu estado mais ácido nas últimas centenas de milhões de anos. Causado pela queima de combustíveis fósseis, como carvão e derivados de petróleo, o aumento agudo de acidez seria trágico para muitas formas de vida marinha.
Um estudo feito pela equipe do pesquisador americano Ken Caldeira, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia (EUA), aponta o gás carbônico como o principal responsável pela tragédia. Ele também é o vilão do problema conhecido como efeito estufa (aquecimento da atmosfera pela retenção de radiação solar sob um cobertor de gases, agravado pela atividade humana).
A queima dos combustíveis fósseis aumenta a quantidade de gás carbônico no ar. Parte desse gás se dissolve no oceano e aumenta a acidez da água. Isso prejudica o desenvolvimento de organismos marinhos, como formas de plâncton, corais e outros animais -a formação de esqueletos e conchas de carbonato de cálcio, essencial para essas formas de vida, fica dificultada com o ambiente ácido.
"Até hoje, a absorção de gás carbônico pelo mar sempre foi considerada uma coisa boa, já que ela tirava esse gás do ar e diminuía coisas como o efeito estufa. Tinha até gente querendo injetar gás carbônico de usinas e fábricas diretamente no mar", disse à Folha Caldeira, 47, em entrevista por telefone. "Agora, nós vemos que não é bem assim."
Para chegar a essa conclusão, a equipe de Caldeira construiu modelos para calcular qual a concentração de gás carbônico nos oceanos no passado -desde 300 milhões de anos atrás- e no futuro -até o ano 3000.
O histórico do gás carbônico marinho foi levantado com base em estimativas de modelos geoquímicos, combinados com provas retiradas de fósseis vegetais e do estudo de minerais. Já a previsão para os próximos mil anos foi construída com base em modelos matemáticos, no histórico recente e nas quantidades estimadas de combustíveis fósseis ainda existentes na natureza.
Segundo os resultados de Caldeira e sua equipe, descontados grandes eventos catastróficos -como, por exemplo, o impacto do asteróide que levou à extinção dos dinossauros, há 65 milhões de anos-, onde é muito difícil dizer o que aconteceu, dentro dos próximos 300 anos o oceano alcançará os maiores níveis de acidez dos últimos 300 milhões de anos.

Baixo pH
O pH, escala de acidez que vai de 0 a 14 (quanto mais baixo, mais ácido), deve chegar a seu mínimo em algumas partes do oceano por volta do ano 2300. Hoje, o pH da água oceânica próxima à superfície está em torno de 8. Daqui a 300 anos, ele pode chegar a 7,4.
O desequilíbrio que essa mudança causará na cadeia alimentar marinha pode levar a uma tragédia de enormes proporções, não só no fundo do mar, mas também na superfície.
"Na verdade, é difícil dizer o que irá acontecer depois. A biologia marinha ainda não fez muitos estudos sobre os efeitos biológicos de um grande aumento da concentração de gás carbônico na água do mar. De qualquer forma, será problemático", diz Caldeira.
O que fazer, então, para impedir essa catástrofe? Segundo o cientista, não há muita coisa a fazer além de acabar completamente com a queima de combustíveis fósseis.
Medidas como as previstas pelo Protocolo de Kyoto, como a redução gradual das emissões de gás carbônico, não surtiriam o efeito necessário: para que o ambiente possa se adaptar tranquilamente ao aumento de gás carbônico, e os organismos marinhos não sofram, o tanto de gás que será emitido nos próximos 300 anos deveria ser liberado em um intervalo mínimo de 10 mil anos.
"Na verdade, diminuir a velocidade das emissões de CO2 contribuiria muito pouco para mitigar o efeito trágico. Essa velocidade teria de ser muito menor para evitar o grande aumento de acidez. A única solução seria mesmo substituir os combustíveis fósseis por outra forma de obtenção de energia", afirma Caldeira.
O cientista criticou os critérios científicos do Protocolo de Kyoto. "No acordo, os efeitos dos gases só são considerados a curto prazo. Kyoto deveria ser revisto", diz.
O estudo da equipe do pesquisador sai publicado na edição de hoje da revista científica "Nature" (www.nature.com).


Próximo Texto: Panorâmica - Tecnologia: Holandeses criam um papel eletrônico colorido que pode movimentar imagens
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.