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AMBIENTE
Dissolução no mar de gás carbônico da queima de combustíveis fósseis será nocivo a seres marinhos, como corais
CO2 fará acidez do oceano bater recordes
MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Nos próximos séculos, os humanos poderão ver os oceanos
em seu estado mais ácido nas últimas centenas de milhões de anos.
Causado pela queima de combustíveis fósseis, como carvão e derivados de petróleo, o aumento
agudo de acidez seria trágico para
muitas formas de vida marinha.
Um estudo feito pela equipe do
pesquisador americano Ken Caldeira, do Laboratório Nacional
Lawrence Livermore, na Califórnia (EUA), aponta o gás carbônico como o principal responsável
pela tragédia. Ele também é o vilão do problema conhecido como
efeito estufa (aquecimento da atmosfera pela retenção de radiação
solar sob um cobertor de gases,
agravado pela atividade humana).
A queima dos combustíveis fósseis aumenta a quantidade de gás
carbônico no ar. Parte desse gás se
dissolve no oceano e aumenta a
acidez da água. Isso prejudica o desenvolvimento de organismos marinhos, como formas de plâncton,
corais e outros animais -a formação de esqueletos e conchas de
carbonato de cálcio, essencial para essas formas de vida, fica dificultada com o ambiente ácido.
"Até hoje, a absorção de gás carbônico pelo mar sempre foi considerada uma coisa boa, já que ela
tirava esse gás do ar e diminuía
coisas como o efeito estufa. Tinha
até gente querendo injetar gás
carbônico de usinas e fábricas diretamente no mar", disse à Folha
Caldeira, 47, em entrevista por telefone. "Agora, nós vemos que
não é bem assim."
Para chegar a essa conclusão, a
equipe de Caldeira construiu modelos para calcular qual a concentração de gás carbônico nos oceanos no passado -desde 300 milhões de anos atrás- e no futuro
-até o ano 3000.
O histórico do gás carbônico
marinho foi levantado com base
em estimativas de modelos geoquímicos, combinados com provas retiradas de fósseis vegetais e
do estudo de minerais. Já a previsão para os próximos mil anos foi
construída com base em modelos
matemáticos, no histórico recente
e nas quantidades estimadas de
combustíveis fósseis ainda existentes na natureza.
Segundo os resultados de Caldeira e sua equipe, descontados
grandes eventos catastróficos
-como, por exemplo, o impacto
do asteróide que levou à extinção
dos dinossauros, há 65 milhões de
anos-, onde é muito difícil dizer
o que aconteceu, dentro dos próximos 300 anos o oceano alcançará os maiores níveis de acidez dos
últimos 300 milhões de anos.
Baixo pH
O pH, escala de acidez que vai
de 0 a 14 (quanto mais baixo, mais
ácido), deve chegar a seu mínimo
em algumas partes do oceano por
volta do ano 2300. Hoje, o pH da
água oceânica próxima à superfície está em torno de 8. Daqui a 300
anos, ele pode chegar a 7,4.
O desequilíbrio que essa mudança causará na cadeia alimentar marinha pode levar a uma tragédia de enormes proporções,
não só no fundo do mar, mas
também na superfície.
"Na verdade, é difícil dizer o que
irá acontecer depois. A biologia
marinha ainda não fez muitos estudos sobre os efeitos biológicos
de um grande aumento da concentração de gás carbônico na
água do mar. De qualquer forma,
será problemático", diz Caldeira.
O que fazer, então, para impedir
essa catástrofe? Segundo o cientista, não há muita coisa a fazer além
de acabar completamente com a
queima de combustíveis fósseis.
Medidas como as previstas pelo
Protocolo de Kyoto, como a redução gradual das emissões de gás
carbônico, não surtiriam o efeito
necessário: para que o ambiente
possa se adaptar tranquilamente
ao aumento de gás carbônico, e os
organismos marinhos não sofram, o tanto de gás que será emitido nos próximos 300 anos deveria ser liberado em um intervalo
mínimo de 10 mil anos.
"Na verdade, diminuir a velocidade das emissões de CO2 contribuiria muito pouco para mitigar o
efeito trágico. Essa velocidade teria de ser muito menor para evitar
o grande aumento de acidez. A
única solução seria mesmo substituir os combustíveis fósseis por
outra forma de obtenção de energia", afirma Caldeira.
O cientista criticou os critérios
científicos do Protocolo de Kyoto.
"No acordo, os efeitos dos gases
só são considerados a curto prazo.
Kyoto deveria ser revisto", diz.
O estudo da equipe do pesquisador sai publicado na edição de
hoje da revista científica "Nature"
(www.nature.com).
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