São Paulo, quinta-feira, 25 de outubro de 2001

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CÂNCER

Brasileira descobre que gene com letra trocada deteriora proteína inibidora da doença, multiplicando risco por 2,5

Mutação favorece os tumores de próstata

DA REPORTAGEM LOCAL

A mutação em uma única base nitrogenada -as letras químicas do código genético- entre as mais de 3 bilhões do genoma humano pode multiplicar por 2,5 as chances de um homem desenvolver câncer de próstata. A descoberta de um grupo de pesquisadores brasileiros pode servir no futuro para um teste que indique o risco da doença em cada pessoa.
A base nitrogenada em questão tem até endereço. Está no nucleotídeo número 4.349 do gene COL18A1, no 21º cromossomo.
Normalmente, a base é composta pela substância guanina (G), uma das quatro letras possíveis em cada nucleotídeo, ou posição.
Os cientistas identificaram, entretanto, que algumas pessoas apresentam em seu lugar a base adenina (A). Quando isso ocorre, o organismo produz versão defeituosa da endostatina, proteína responsável por coibir a formação de novos vasos sanguíneos que alimentam os tumores.
"A mutação está presente em 12% da população normal e em 25% dos pacientes com câncer de próstata", afirma a pesquisadora Maria Rita Passos-Bueno, do Instituto de Biociências da USP, coordenadora do estudo. "É importante dizer que essa mutação não é a causa o câncer. É um dos fatores de risco", diz.
Isso, porém, não reduz a importância da descoberta. O câncer de próstata é o segundo mais frequente entre homens no Brasil, perdendo apenas para os tumores de pele não-melanomas. A cada ano, são registrados cerca de 20 mil casos. Em 1998, a doença matou 7.140 pacientes no país.
Uma das razões para um índice de mortalidade tão alto é que, em grande parte das vezes, a doença é diagnosticada tardiamente. Saber de antemão quais pessoas têm mais propensão a desenvolver o tumor seria uma ferramenta importante de saúde pública.
Quando os pesquisadores brasileiros acharam a mutação no gene COL18A1, na verdade estavam estudando outra doença, a síndrome de Nobloch, mal hereditário raro que causa problemas graves de visão. Procurando o defeito genético relacionado com a doença, os pesquisadores se depararam com a "letra trocada" que adultera a produção da endostatina.
O estudo de Passos-Bueno analisou amostras de DNA de 180 pacientes com câncer de próstata e as comparou com informações do banco de dados do Projeto Genoma Humano. A pesquisa foi feita em cooperação com o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, além da Faculdade de Medicina e do Instituto de Química de São Carlos, ambos da USP.
O estudo saiu há dez dias na capa da revista "Cancer Research" (cancerres.aacrjournals.org), da Associação Americana de Pesquisa sobre o Câncer. Também é capa da revista "Pesquisa Fapesp", da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
A descoberta já ganhou desdobramentos. Em breve, o Instituto de Biociências deve começar a analisar amostras de DNA de outros pacientes, para descobrir se a mutação também poderia influir na incidência de câncer no fígado e no estômago.
A mutação descoberta pela equipe de Passos-Bueno tem relação com a angiogênese, a formação de novos vasos sanguíneos que alimenta o crescimento de tumores. Esse processo é um dos principais alvos na pesquisa de novas drogas contra a doença.
Cientistas já estão tentando criar remédios com base na endostatina para inibir a expansão dos vasos e "matar de fome" os tumores. (RAFAEL GARCIA)


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