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CÂNCER
Brasileira descobre que gene com letra trocada deteriora proteína inibidora da doença, multiplicando risco por 2,5
Mutação favorece os tumores de próstata
DA REPORTAGEM LOCAL
A mutação em uma única base
nitrogenada -as letras químicas
do código genético- entre as
mais de 3 bilhões do genoma humano pode multiplicar por 2,5 as
chances de um homem desenvolver câncer de próstata. A descoberta de um grupo de pesquisadores brasileiros pode servir no
futuro para um teste que indique
o risco da doença em cada pessoa.
A base nitrogenada em questão
tem até endereço. Está no nucleotídeo número 4.349 do gene
COL18A1, no 21º cromossomo.
Normalmente, a base é composta pela substância guanina (G),
uma das quatro letras possíveis
em cada nucleotídeo, ou posição.
Os cientistas identificaram, entretanto, que algumas pessoas
apresentam em seu lugar a base
adenina (A). Quando isso ocorre,
o organismo produz versão defeituosa da endostatina, proteína
responsável por coibir a formação
de novos vasos sanguíneos que
alimentam os tumores.
"A mutação está presente em
12% da população normal e em
25% dos pacientes com câncer de
próstata", afirma a pesquisadora
Maria Rita Passos-Bueno, do Instituto de Biociências da USP,
coordenadora do estudo. "É importante dizer que essa mutação
não é a causa o câncer. É um dos
fatores de risco", diz.
Isso, porém, não reduz a importância da descoberta. O câncer de
próstata é o segundo mais frequente entre homens no Brasil,
perdendo apenas para os tumores
de pele não-melanomas. A cada
ano, são registrados cerca de 20
mil casos. Em 1998, a doença matou 7.140 pacientes no país.
Uma das razões para um índice
de mortalidade tão alto é que, em
grande parte das vezes, a doença é
diagnosticada tardiamente. Saber
de antemão quais pessoas têm
mais propensão a desenvolver o
tumor seria uma ferramenta importante de saúde pública.
Quando os pesquisadores brasileiros acharam a mutação no gene
COL18A1, na verdade estavam estudando outra doença, a síndrome de Nobloch, mal hereditário
raro que causa problemas graves
de visão. Procurando o defeito genético relacionado com a doença,
os pesquisadores se depararam
com a "letra trocada" que adultera a produção da endostatina.
O estudo de Passos-Bueno analisou amostras de DNA de 180 pacientes com câncer de próstata e
as comparou com informações
do banco de dados do Projeto Genoma Humano. A pesquisa foi
feita em cooperação com o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o
Câncer, além da Faculdade de
Medicina e do Instituto de Química de São Carlos, ambos da USP.
O estudo saiu há dez dias na capa da revista "Cancer Research"
(cancerres.aacrjournals.org), da
Associação Americana de Pesquisa sobre o Câncer. Também é capa da revista "Pesquisa Fapesp",
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
A descoberta já ganhou desdobramentos. Em breve, o Instituto
de Biociências deve começar a
analisar amostras de DNA de outros pacientes, para descobrir se a
mutação também poderia influir
na incidência de câncer no fígado
e no estômago.
A mutação descoberta pela
equipe de Passos-Bueno tem relação com a angiogênese, a formação de novos vasos sanguíneos
que alimenta o crescimento de tumores. Esse processo é um dos
principais alvos na pesquisa de
novas drogas contra a doença.
Cientistas já estão tentando
criar remédios com base na endostatina para inibir a expansão
dos vasos e "matar de fome" os
tumores.
(RAFAEL GARCIA)
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