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Astrônomos investigam como teriam sido as primeiras estrelas a brilhar no cosmos
A CRIAÇÃO DA LUZ
Divulgação
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Imagem produzida por simulação mostra, com tons de cor, a temperatura na nuvem de gás que formaria, em seu centro, uma das primeiras estrelas do Universo (amarelo para as regiões mais quentes, vermelho para as de temperatura intermediária e verde e azul para as mais frias); a figura cobre uma área de aproximadamente 1.800 anos-luz de comprimento
Salvador Nogueira
da Reportagem Local
Segundo a cosmologia, logo que surgiu, o Universo era realmente um tédio. Não havia nada para
ser visto e, mesmo que houvesse, não havia ninguém para ver nada. Não havia sequer luz, para
ser mais preciso.
Difícil acreditar que algo de bom sairia de uma perspectiva dessas. Mas, num processo que durou apenas
alguns milhares de anos, daquele caldo de matéria escura, partículas elementares e, na melhor das hipóteses,
átomos de hidrogênio e hélio, nasceram as primeiras
estrelas, levando a luminosidade -e a possibilidade de
se formarem planetas, estrelas e galáxias tais quais se
conhecem hoje- para todos os cantos do cosmos. Sem
dúvida, um acontecimento de grandiosidade à altura
do "fiat lux" bíblico. Essa versão científica do episódio
"faça-se luz" é aquela à qual se dedica Tom Abel, um físico do Instituto de Astronomia da Universidade de
Cambridge, no Reino Unido, e do Harvard Smithsonian Center for Astrophysics, em Massachusetts, EUA.
"Meu envolvimento nesse tipo de pesquisa começou
quando meu orientador, e hoje co-autor, Mike Norman, me perguntou: "Quais foram as primeiras coisas
do Universo?" ", conta. Trabalhos para responder a essa
pergunta já têm sido conduzidos há três décadas, mas a
inspiração dada por Norman a seu então orientando só
veio no começo de 1994.
Desde então, Abel tem aprimorado simulações que
mostram como o caldo de matéria bariônica (aquela
com que se lida na vida cotidiana, composta por prótons, nêutrons e elétrons e suas subpartículas e antipartículas) interagiu com o mais importante e ao mesmo
tempo mais fugidio componente do Universo, a misteriosa matéria escura, para finalmente dar origem aos
primeiros astros brilhantes do cosmos -cuja importância não pode ser subestimada. "As primeiras estrelas
fizeram os primeiros elementos pesados, como carbono e oxigênio", afirma Abel. "Elas foram um passo necessário não só para a formação das estrelas de hoje,
mas também um primeiro passo na origem da vida."
Os últimos resultados das simulações de computador
conduzidas por Abel, Norman e Greg Bryan serão publicados brevemente em uma edição impressa da norte-americana "Science". Por ora, eles foram divulgados
apenas pela internet, no serviço expresso de publicação
de estudos da revista (www.sciencexpress.org).
As simulações do trio representam tridimensionalmente a movimentação da matéria e a variação de valores básicos como densidade do material aglutinado e
distribuição das massas, até a formação da primeira estrela -ou quase. A partir de determinado momento, os
cálculos ficam muito complexos, inviabilizando a visualização completa do fenômeno. Eles não são capazes
de estimar com exatidão o tamanho final dessa estrela,
por exemplo. "Grandes esforços de pesquisa estão sendo feitos para conseguir exatamente isso. No entanto, a
física se torna mais e mais complicada conforme a estrela aumenta seu colapso", afirma Abel. "Acho que poderemos muito bem levar alguns anos até poder determinar com alguma certeza a massa final dessas estrelas."
Pelo menos os resultados obtidos até aqui já permitem fazer uma estimativa mínima de dimensão para esses astros primordiais. A conclusão da simulação é que
ela precisa ter tido no mínimo 30 vezes a massa do Sol.
Não que seja um tamanho absurdo, pois o Sol não tem
nada de especial ou extraordinariamente grande -ainda bem, pois quanto maior uma estrela, mais rápido ela
gasta seu combustível na fusão nuclear (se o Sol fosse do
tamanho dessas estrelas primordiais, teria explodido
em uma supernova muito antes de haver vida na Terra).
Mas é um valor de certo modo surpreendente.
Antes da simulação, alguns pesquisadores especulavam que a estrela, ainda em fase embrionária, acumulando material para entrar em colapso gravitacional e
disparar o processo de fusão, pudesse se fragmentar,
dando origem a astros menores. "Contrariamente às
expectativas, esse processo não leva a renovadas fragmentações e apenas uma estrela é formada", escreveram os três autores no estudo.
Estrelas-mãe
Todas as estrelas já observadas possuem em seu interior uma certa quantidade (ainda que
mínima) de elementos pesados, como ferro, carbono e
oxigênio, embora sejam majoritariamente feitas de hidrogênio e hélio. O próprio hidrogênio alimenta o processo de fusão nuclear, induzido pelo colapso gravitacional da estrela. Elas possuem tanta massa, e seus átomos começam a ficar tão apertados no centro, sob ação
da gravidade, que começam a grudar uns nos outros, liberando uma tremenda quantidade de energia.
Conforme acaba o hidrogênio, a estrela passa a fundir
hélio em elementos mais pesados. Quando acaba o hélio, ela funde esses elementos que sobraram. E, quando
já não consegue mais fundir nada, morre, podendo
apagar-se aos poucos, terminar numa grande explosão
ou entrar em colapso gravitacional definitivo, que a isola do mundo exterior -produzindo um buraco negro.
O que importa é que, quando explodem, espalham esse
monte de elementos pesados pelo espaço. Eles serão
reaproveitados em outros locais de formação estelar,
onde farão parte das estrelas que estão por surgir.
Só que as primeiras estrelas não possuíam nenhum
desses elementos. Apenas hidrogênio e hélio, os elementos mais simples que existem, foram formados
após o Big Bang, a grande explosão que deu origem ao
Universo, e serviram de matéria-prima para elas. Daí
decorrem duas conclusões: a primeira é que essas estrelas, por terem composição diferente da das atuais, não
podem ser classificadas como os astros que se conhecem hoje. "Uma estrela primordial puramente feita de
hidrogênio e hélio é bem diferente de uma estrela "comum" de mesma massa. Só para começar, elas são muito mais quentes, maiores e mais luminosas", diz Abel.
A segunda conclusão é que essas estrelas precisaram
nascer e morrer antes que pudesse florescer tudo que é
conhecido no Universo atual, incluindo aí os quasares,
galáxias primitivas nos confins do cosmos cuja luz só
está chegando à Terra agora, com bilhões de anos de
atraso. Ou seja, no lugar em que hoje os astrônomos observam qualquer coisa, há bilhões de anos, havia uma
dessas estrelas primordiais. De certa forma, elas podem
ser vistas como as "mães" de todo o Universo conhecido. "De fato, múltiplos objetos do tipo que descrevemos
se formaram na região que eventualmente sofreu um
colapso para se tornar nossa própria galáxia."
Ficando por dentro
Para tornar as simulações tão
precisas e verossímeis quanto possível, Abel precisa estar antenado em tudo que acontece no mundo da cosmologia, incluindo novos estudos sobre radiação cosmológica de fundo (o "eco" do Big Bang) e observações
que sugerem a existência de uma força contrária à da
gravidade, afastando os corpos uns dos outros. "Esses
desenvolvimentos e inspirações atuais determinam as
condições iniciais para os nossos cálculos", relata.
Entre as coisas a levar em conta estão a quantidade e a
distribuição de matéria escura naquele Universo primitivo. Embora os cientistas não tenham a mais vaga idéia
do que constitua essa substância responsável por mais
de 90% de toda a massa do Universo, Abel diz que não é
problema lidar com ela nas simulações. "Essa misteriosa matéria escura só pode estar interagindo via gravidade com o resto do Universo. Se fosse diferente, já a teríamos achado. E, como é só gravidade, é bem simples."
Com base no conhecimento até agora construído pelos cosmologistas, o trio estima que o processo de formação e morte das primeiras estrelas deve ter ocorrido
no primeiro bilhão de anos do Universo. Estima-se que
o cosmos hoje esteja com cerca de 13 bilhões de anos.
Enquanto tenta reconstruir a ordem do Universo,
Abel, hoje com 31 anos, fracassa em mantê-la em seu
próprio ambiente de trabalho. "Meu escritório não é
muito organizado, embora eu tente ser. Trabalho em
muitos problemas simultaneamente. Não apenas nas
primeiras estrelas, mas também em como as galáxias se
formam, como a matéria entre galáxias evolui etc. Isso é
bom porque, se um projeto pode estar indo devagar,
pode haver um grande salto ocorrendo em outro."
Além de estudar as coisas do céu, Abel aprecia também cair dele. Ao visitar o site pessoal do pesquisador
(www.tomabel.com), é possível ver uma foto dele em
queda livre, saltando de pára-quedas -certamente não
é a imagem mental que as pessoas costumam ter de um
astrônomo. Mas, mesmo quando o cientista está em
pleno ar, sendo propelido em direção ao chão acelerado
apenas pela gravidade, uma questão não deixa de fasciná-lo. "Eu simplesmente amo essa pergunta, "o que foi a
primeira coisa que se formou?". É filosófica por um lado
e por outro é um problema de física bem definido." Felizmente ele aceita bem a idéia de que provavelmente
nunca conseguirá respondê-la a contento. "Estamos em
última análise tentando criar simulações realistas para
todas as estruturas do Universo. Obviamente um projeto desses nunca estará terminado."
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