São Paulo, segunda-feira, 25 de novembro de 2002

Próximo Texto | Índice

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Estudo mostra que política de ajuste fiscal fez qualidade de investimento declinar

Cepal vê queda em gasto ambiental no país

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Apesar de todos os compromissos assumidos com o desenvolvimento sustentável após a Eco-92, os investimentos na área ambiental no Brasil não só não cresceram na última década como também caíram em qualidade. Menos dinheiro foi efetivamente aplicado em projetos socioambientais e mais no pagamento de juros.
A conclusão é de um estudo inédito da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), preparado para a Rio +10 e só divulgado agora. Segundo o relatório, a participação dos gastos com ambiente em relação ao total de despesas do governo, de 1993 a 2000, não aumentou em relação ao total de despesas do governo, ficando entre 0,4% e 0,5% desse total.
Mais grave ainda, despesas com pagamento de pessoal no Ministério do Meio Ambiente -principal fonte de dinheiro federal na área- caíram sistematicamente na segunda metade da década, assim como a ajuda externa.
A culpa, apontam os autores do trabalho, foi da política de arrocho fiscal praticada pelo governo federal e acentuada depois da crise cambial de 1999. Apesar de o orçamento total do ministério ter efetivamente crescido (de R$ 463 milhões em 1993 para R$ 976 milhões em 1998, declinando para R$ 721 milhões em 2000), há uma presença maior de gastos que não correspondem a melhoria ambiental -como pagamento de juros, amortizações de dívida e previdência social. Segundo eles, isso afeta a qualidade ambiental.
Os investimentos do ministério, por outro lado, declinaram. No período 1996/98, sua média foi de 23,6% do orçamento, ficando em 13,3% em 1999/2000.
"O modelo de estabilização baseado em altas taxas de juros induz ao gasto flexível de verbas sociais, o que levou a interromper o avanço [na área ambiental] que se pretendia nos anos 90", disse à Folha o economista Carlos Eduardo Young, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que fez o estudo, juntamente com Carlos Roncisvalle.
"É preciso salientar que havia um compromisso do governo de aumentar esse tipo de gasto em relação ao gasto total, e esse compromisso não foi cumprido. Existe um mito de que o gasto ambiental aumentou consideravelmente, e isso não é verdade."
Segundo Young, o crescimento da verba para financiar projetos ambientais não foi "sustentável", isto é, não acompanhou o "boom" de crescimento econômico que se seguiu ao real. Ele segue uma curva em formato de "U" invertido, ou seja, cresce e depois declina.
Os recursos externos em forma de projetos de cooperação para a área ambiental atingiram em 2000 seu nível mais baixo da década. E a maioria foi direcionada a projetos da chamada "agenda verde" -especialmente conservação de florestas, como a Amazônia-, que é prioridade internacional, e não para combate a poluição, recursos hídricos ou desenvolvimento sustentável do Nordeste.
O estudo da Cepal é o primeiro a tentar produzir um quadro detalhado dos investimentos em desenvolvimento sustentável no Brasil. Apesar de terem conseguido esboçá-lo, os autores esbarraram em dificuldades metodológicas para aumentar sua resolução.
A série de dados de 1993 a 1999, por exemplo, não pode ser comparada com 2000/2001, porque, nesse biênio, o fornecimento de água passou a ser computado como gasto ambiental.
As definições contábeis de "gasto ambiental" variam também nos Estados e nos cerca de 6.000 municípios da federação, o que impediu uma investigação mais aprofundada da situação nessas esferas de governo. A informação é importante, pois o gasto ambiental é proporcionalmente maior em Estados e municípios -que monitoram contaminação da água e do ar e recolhem o lixo.
"Mas os indícios são de que o comportamento de "U" invertido foi o mesmo. O ajuste fiscal está impondo cortes pesados a Estados e municípios", afirma o economista da UFRJ.


Próximo Texto: Outro lado: Ministro diz que relatório possui falhas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.