São Paulo, terça-feira, 25 de dezembro de 2001

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FÍSICA

Bóson de Higgs escapa da detecção nos aceleradores de partículas; inexistência poria em xeque Modelo Padrão da matéria

Cientistas ainda buscam "partícula de Deus"

Divulgação/Cern
Imagem mostra trajetórias de partícula e subpartículas após colisão no acelerador europeu LEP


EUGENIE SAMUEL
DA "NEW SCIENTIST"

Provavelmente não existe a lendária partícula que, na opinião dos físicos, explicaria por que a matéria tem massa. Assim dizem pesquisadores que consumiram um ano analisando dados do acelerador LEP, do laboratório de física nuclear Cern, em Genebra.
O escorregadio bóson de Higgs é tão central para o chamado Modelo Padrão (teoria em que se baseia todo o entendimento da matéria) que já foi apelidado de "partícula de Deus". Se não existir um Higgs, os físicos ficarão totalmente incapazes de explicar a massa.
O Modelo Padrão explica a coleção de partículas fundamentais que compõe a matéria, aí incluídos múons, elétrons, neutrinos e quarks. Nos anos 60, pesquisadores conseguiram com sucesso entender como essas partículas interagem e se ligam umas com as outras, por meio das forças nucleares forte e fraca.

Campo de Higgs
Ele não explicava, porém, por que as partículas têm massa, até que Peter Higgs, da Universidade de Edimburgo (Escócia), sugeriu que o espaço estaria preenchido com uma substância densa -agora chamada de campo de Higgs- que conferia massa às partículas, pressionando-as por meio de um mediador chamado de bóson de Higgs.
Seu trabalho desencadeou uma corrida de 30 anos em busca do Higgs. A partir das massas e interações de outras partículas cuja existência é comprovada, os físicos calcularam que o bóson de Higgs muito provavelmente tem massa (ou energia) em torno de 80 gigaelétrons-volts (GeV). Se aceleradores de partículas as fizessem chocar-se umas contra as outras nesse nível de energia, ou superior, deveria ser possível produzir um bóson de Higgs.
Foi o que tentaram os membros do Grupo de Trabalho Eletrofraco do Cern por cinco anos, até que o LEP (Grande Colisor de Elétrons e Pósitrons) fosse fechado no ano passado. Desde então, estiveram peneirando os dados que haviam reunido -e nada encontraram.
Eles excluíram as massas consideradas mais prováveis para o Higgs. "É mais provável que não haja Higgs algum", disse John Swain, membro do grupo e da Northeastern University, de Boston (Estados Unidos).

Prorrogação no LEP
Para muitos, é uma grande decepção, porque no ano passado pesquisadores de um outro grupo do LEP haviam reivindicado a detecção do Higgs. Seu anúncio veio pouco antes da data de fechamento do LEP, o que lhes valeu o tempo extra de um mês com o acelerador de partículas.
Depois, eles admitiram ter errado os cálculos, no calor da hora. Seu engano foi presumir um nível baixo demais de ruído de fundo, quando o nível de energia do experimento era aumentado, de modo que tomaram como sinais do Higgs partículas espalhadas que na verdade eram só ruído.
Agora que os cálculos foram refeitos, integrantes do Grupo de Trabalho Eletrofraco dizem que não há sinal do Higgs até os níveis de energia de 115 GeV, muito além dos 80 GeV em que eram esperados. Restam agora somente 30% de chance.
Sua existência parece "cada vez menos provável", afirma Steve Reucroft, também da Northeastern University. "Já cobrimos a maior parte da área de caça", confirma Neil Calder, do Cern.
Não é a primeira má notícia para o Modelo Padrão. Em fevereiro, pesquisadores do Laboratório Nacional Brookhaven, em Nova York, haviam provocado celeuma ao dizer que o momento magnético do múon era diferente do valor previsto. Mas o último golpe é mais sério. O não-aparecimento de uma partícula-chave sinalizaria o fim para grandes pedaços do consagrado Modelo Padrão.
Ninguém está muito preocupado, ainda. Frank Wilczek, teórico de física de partículas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), assinala que os resultados do LEP podem ser tomados como evidência de que o Higgs deve estar num nível inesperadamente alto de energia. Diz que vai começar a se sentir desconfortável se o Higgs não aparecer por volta de 130 GeV. "Aí, sim, eu vou ter de refletir mais longamente", afirma.
Swain diz que apostaria grandes somas de dinheiro na hipótese de o Higgs não existir. Mas ainda acredita que é importante para o Cern insistir na construção de seu Grande Colisor de Hádrons (LHC), previsto para começar a esmagar partículas em níveis ainda mais altos de energia em 2007.
"Só quando estiverem excluídos 99% dos valores é que todo mundo se dará por convencido", afirma. David Plane, chefe do experimento Opal do LEP, por exemplo, se diz certo de que o Higgs acabará aparecendo. "Só que ele está num nível de energia mais alto do que nossa sensibilidade alcança."

Supersimetria
O problema dos físicos é que, sem o Higgs, eles carecem de uma teoria viável da matéria. "Não há nada nem remotamente tão plausível e convincente para substituir [o Modelo Padrão"", diz Wilczek.
A supersimetria, que prevê que cada partícula esteja pareada com um parceiro mais pesado, é uma idéia popular. Mas os resultados do LEP constituem notícia ainda pior para essa teoria, pois ela prevê várias partículas Higgs. A mais leve delas deveria ter surgido em energias ainda mais baixas e não poderia existir acima de 130 GeV.
Para os físicos que passaram anos tentando achar o Higgs, admitir que ele possa ser fantasia é um passo enorme e difícil. Mas Swain se diz pronto para superar a decepção e seguir em frente. "Você procura a verdade, e a verdade é o que quer que ela seja."


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