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BIOÉTICA
Gene contra hemofilia B surge no sêmen de paciente
Experimento nos EUA chega perto de alterar a linhagem germinativa
NICHOLAS WADE
DO "THE NEW YORK TIMES"
No campo experimental da terapia gênica, os cientistas trabalham muito para evitar que o ato
delicado de realizar uma alteração
genética seja transmitido para as
futuras gerações. Agora, porém,
parece que um experimento pode
ter inadvertidamente chegado
perto de quebrar essa barreira.
O teste de terapia gênica (tentativa de cura pela alteração de genes do paciente), interrompido
assim que o risco foi percebido,
recebeu permissão para ser retomado, embora a possibilidade de
risco não tenha sido afastada.
O experimento, conduzido pela
empresa Avigen Inc., de Alameda, Califórnia (EUA), foi planejado para inserir um gene corretivo
no fígado de pacientes com hemofilia B, a mais rara das duas
formas de hemofilia (doença genética que afeta a capacidade de
coagulação do sangue).
As agências federais dos EUA
que monitoram os testes de terapia gênica, a de fármacos e alimentos (FDA) e os Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla
em inglês), querem assegurar que
genes corretivos não possam ser
passados para óvulos ou espermatozóides, conhecidos como células germinativas.
Embora isso possa impedir a
doença do paciente de alcançar a
próxima geração, as agências
consideram a alteração da linha
germinativa um passo tão profundo que não deveria ser tentado
sem discussão pública adicional.
As empresas que conduzem testes com terapias gênicas são por
isso obrigadas a monitorar onde,
no corpo, os novos genes terminam inseridos. Em outubro, a
Avigen havia anunciado a suspensão do experimento com a hemofilia B porque tinha detectado
a presença do vetor dos genes no
sêmen dos pacientes.
Vetores são vírus desativados
usados por terapeutas gênicos para inserir genes corretivos em células humanas. Conseguir acesso
ao interior do núcleo de células
humanas é um truque tecnicamente difícil, que alguns vírus adquiriram no curso da evolução.
No teste com a hemofilia B, o
vetor transporta a versão correta
do gene humano do fator 9, uma
das muitas proteínas envolvidas
na produção de coágulos.
Foi uma surpresa encontrar o
vetor até no líquido seminal dos
pacientes, porque os experimentos com cães não haviam mostrado sinal disso. Mas não há indicação de que os vetores tenham penetrado os espermatozóides dos
pacientes, afirmou Elliott Grossbard, da Avigen.
A empresa procurou orientação
este mês de um painel dos NIH, o
Comitê Consultivo de DNA Recombinante, que supervisiona terapias gênicas. Amy Patterson,
que preside o comitê, disse que
seus membros recomendaram
que o teste fosse retomado, mas
que os cientistas também tentassem determinar se o vetor estava
chegando aos espermatozóides.
A FDA aceitou a proposta do
comitê. O único paciente que participa do teste deverá usar camisinha, para impedir que gere uma
criança geneticamente alterada.
Segundo Philip Noguchi, que
supervisiona testes com terapias
gênicas para a FDA, uma terapia
gênica para a hemofilia B, de
grande utilidade potencial, precisa ser contraposta a seus riscos. Se
o experimento não prosseguir,
diz Noguchi, a agência não poderá aquilatar o benefício possível.
Nem todos estão satisfeitos com
essa abordagem. Eric Juengst, especialista em ética da Case Western Reserve University que integra o comitê dos NIH, afirmou
que os críticos do experimento
podem ver nele um passo ladeira
abaixo. Se o experimento da hemofilia funcionar, mas trouxer
mudanças inevitáveis na linhagem germinativa, poderá insinuar-se na aceitação pública por
uma porta lateral.
"Se por acaso um desses acidentes produzisse uma cura na linhagem germinativa, seria um argumento de venda terrivelmente
poderoso para aqueles que defendem a posição desde o princípio."
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