São Paulo, terça-feira, 25 de dezembro de 2001

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BIOÉTICA

Gene contra hemofilia B surge no sêmen de paciente

Experimento nos EUA chega perto de alterar a linhagem germinativa

NICHOLAS WADE
DO "THE NEW YORK TIMES"

No campo experimental da terapia gênica, os cientistas trabalham muito para evitar que o ato delicado de realizar uma alteração genética seja transmitido para as futuras gerações. Agora, porém, parece que um experimento pode ter inadvertidamente chegado perto de quebrar essa barreira.
O teste de terapia gênica (tentativa de cura pela alteração de genes do paciente), interrompido assim que o risco foi percebido, recebeu permissão para ser retomado, embora a possibilidade de risco não tenha sido afastada.
O experimento, conduzido pela empresa Avigen Inc., de Alameda, Califórnia (EUA), foi planejado para inserir um gene corretivo no fígado de pacientes com hemofilia B, a mais rara das duas formas de hemofilia (doença genética que afeta a capacidade de coagulação do sangue).
As agências federais dos EUA que monitoram os testes de terapia gênica, a de fármacos e alimentos (FDA) e os Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), querem assegurar que genes corretivos não possam ser passados para óvulos ou espermatozóides, conhecidos como células germinativas.
Embora isso possa impedir a doença do paciente de alcançar a próxima geração, as agências consideram a alteração da linha germinativa um passo tão profundo que não deveria ser tentado sem discussão pública adicional.
As empresas que conduzem testes com terapias gênicas são por isso obrigadas a monitorar onde, no corpo, os novos genes terminam inseridos. Em outubro, a Avigen havia anunciado a suspensão do experimento com a hemofilia B porque tinha detectado a presença do vetor dos genes no sêmen dos pacientes.
Vetores são vírus desativados usados por terapeutas gênicos para inserir genes corretivos em células humanas. Conseguir acesso ao interior do núcleo de células humanas é um truque tecnicamente difícil, que alguns vírus adquiriram no curso da evolução.
No teste com a hemofilia B, o vetor transporta a versão correta do gene humano do fator 9, uma das muitas proteínas envolvidas na produção de coágulos.
Foi uma surpresa encontrar o vetor até no líquido seminal dos pacientes, porque os experimentos com cães não haviam mostrado sinal disso. Mas não há indicação de que os vetores tenham penetrado os espermatozóides dos pacientes, afirmou Elliott Grossbard, da Avigen.
A empresa procurou orientação este mês de um painel dos NIH, o Comitê Consultivo de DNA Recombinante, que supervisiona terapias gênicas. Amy Patterson, que preside o comitê, disse que seus membros recomendaram que o teste fosse retomado, mas que os cientistas também tentassem determinar se o vetor estava chegando aos espermatozóides.
A FDA aceitou a proposta do comitê. O único paciente que participa do teste deverá usar camisinha, para impedir que gere uma criança geneticamente alterada.
Segundo Philip Noguchi, que supervisiona testes com terapias gênicas para a FDA, uma terapia gênica para a hemofilia B, de grande utilidade potencial, precisa ser contraposta a seus riscos. Se o experimento não prosseguir, diz Noguchi, a agência não poderá aquilatar o benefício possível.
Nem todos estão satisfeitos com essa abordagem. Eric Juengst, especialista em ética da Case Western Reserve University que integra o comitê dos NIH, afirmou que os críticos do experimento podem ver nele um passo ladeira abaixo. Se o experimento da hemofilia funcionar, mas trouxer mudanças inevitáveis na linhagem germinativa, poderá insinuar-se na aceitação pública por uma porta lateral.
"Se por acaso um desses acidentes produzisse uma cura na linhagem germinativa, seria um argumento de venda terrivelmente poderoso para aqueles que defendem a posição desde o princípio."



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