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Micro/Macro
A estranha cadeira quântica
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
O mundo do muito pequeno, dos
átomos e seus integrantes, apresenta comportamentos que destoam totalmente do "nosso" mundo, que os físicos
chamam de mundo clássico. Essas diferenças de comportamento entre sistemas quânticos e clássicos deu, e ainda dá,
muita dor de cabeça aos físicos que se
preocupam com o que podemos chamar
de definição da nossa "realidade".
Eis aqui a questão essencial: definimos
realidade, ou o mundo em que vivemos,
por meio de nossas interações sensoriais
com esse mundo. Daí que, ao vermos
uma cadeira, estamos "interagindo"
com essa estrutura de madeira. A luz
ambiente -na forma de suas partículas
conhecidas como fótons- é refletida
por essa estrutura e vem de encontro aos
nossos olhos. O estímulo é então levado
pelo nervo ótico à parte (ou partes) do
cérebro responsável pela decodificação
desse impulso e pela sua reconstrução
interna: nossa mente reinventa o mundo
exterior. Mas essa é uma outra história.
O ponto é que, para vermos uma cadeira, recebemos uma informação que nos
permitiu identificar esse objeto como tal.
Se estivéssemos no escuro, teríamos de
tatear a estrutura de madeira para identificá-la como uma cadeira. O que acontece se, em vez de uma cadeira, queremos
identificar um átomo de hidrogênio?
Usando a mesma analogia da cadeira e
da luz, para "vermos" um átomo, temos
de interagir com ele. Claro, como nosso
olho é cerca de dez bilhões de vezes
maior que o átomo, não dá para acender
a luz e enxergá-lo diretamente. Vamos
então ao caso intermediário de uma bactéria, uma ameba com um milionésimo
de metro. Precisamos usar um microscópio, que, com uma pequena lâmpada,
ilumina nossa ameba e amplia sua imagem de forma que possamos enxergá-la.
Portanto, o mecanismo que usamos
para enxergar a ameba no microscópio é
semelhante ao que usamos para enxergar uma cadeira. Ambos são objetos
clássicos. Já com o átomo a coisa é bem
diferente. Não dá para enxergá-lo com
um microscópio comum. Na verdade,
jamais podemos "ver" um átomo. Isso
(entre outras coisas) porque a luz é uma
onda, e como tal tem uma certa distância
associada a ela, seu "comprimento de
onda" ou a distância entre duas cristas
consecutivas. O ponto é que a luz visível
tem comprimentos de onda entre 4 e 7
centésimos de milésimo de centímetro,
ou seja, 10 mil vezes maior que um átomo: o átomo passa despercebido. Para
contornar esse problema, temos de "ajeitar" nosso foco, o que significa diminuir
o comprimento da onda da luz. O problema é que, ao diminuir o comprimento da onda da luz, aumentamos sua energia: a luz violeta tem comprimento de
onda menor do que a luz vermelha e é
mais energética. Para chegarmos em
comprimentos de onda de escalas atômicas, temos de usar os raios X ou gama, as
radiações mais energéticas que existem.
O problema agora complica bastante.
Como sabemos, ondas transportam
energia e momento: basta ficar na frente
de uma onda do mar para conferir tal fenômeno. Ao "focar" nossa luz, diminuímos seu comprimento de onda, aumentando sua energia. O resultado é que,
agora, a radiação é tão energética que, ao
rebater no átomo, lhe dá um empurrão,
mudando sua posição. Conclusão: no
mundo quântico, o ato de medir interfere com o que está sendo medido. No caso
do átomo, ao tentar "vê-lo", isto é, medir
sua posição, acabamos empurrando-o
para outra posição, devido à transferência de momento da radiação. Ou seja, jamais conseguiremos medir exatamente a
posição e velocidade do átomo. Todas as
nossas medidas vêm com um limite intrínseco devido à interferência do próprio ato de medida. Esse é o famoso
"princípio de incerteza", que Werner
Heisenberg propôs em 1925.
Se nossa cadeira fosse um objeto quântico, ela não pararia no mesmo lugar jamais, mudando de posição de forma
aleatória. Felizmente, vivemos em um
mundo clássico, onde a energia e o momento transferidos pela luz a uma cadeira são desprezíveis. Ainda bem, pois, senão, estaríamos todos nós, cadeira, eu e
você, nessa perpétua dança quântica.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro
"Retalhos Cósmicos".
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