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Periscópio
Leveduras filamentosas
José Reis
especial para a Folha
Na revista "Cell", Gerald Fink e colaboradores descreveram achado
sem dúvida surpreendente: a presença
de formas filamentosas na levedura de
cerveja, ao lado das células isoladas, que
são as comuns e há muito conhecidas
nesses fungos.
Saccharomyces cerevisiae é a mais familiar das leveduras. Suas células são esféricas, elipsoidais ou mais ou menos retangulares. Em condições comuns de observação microscópica, elas não apresentam muitos detalhes. Algumas leveduras se reproduzem por simples divisão, como as bactérias. Na maioria das
células, entretanto, a multiplicação ocorre por brotamento: a célula-mãe forma
um broto, ou vários, que crescem e afinal
se separam da célula original. Pode haver
uma fase sexual.
Saccharomyces é agente de fermentação alcoólica, por um processo usado na
produção do álcool industrial, do vinho,
da cerveja e do pão. Ele consiste na oxidação do açúcar, com formação de álcool e dióxido de carbono, na ausência
de oxigênio. As leveduras desempenham
papel importante nas pesquisas sobre vitaminas. Há alguns anos, passaram a ser
também um dos instrumentos mais utilizados na biologia molecular.
Embora muitos fungos relacionados,
como a Candida albicans (agente do sapinho e outras infecções), existam em
duas fases, uma unicelular (a levedura
propriamente dita) e outra multicelular e
filamentosa, que se alternam por complexo mecanismo genético, acredita-se
que Saccharomyces possua apenas a forma unicelular, de levedura. Fink descobriu a forma filamentosa, que teria sido
perdida com o tempo e a domesticação
do fungo. O que não se entende é que essa descoberta só agora tenha sido feita
num organismo tão pesquisado.
A explicação desse fato parece consistir
em que, nos meios de cultura comuns,
há abundância de todos os elementos
nutritivos. A forma filamentosa deve decorrer da escassez nutritiva. Essa verificação sobreveio quando Fink pesquisava
as pistas ambientais de crescimento a
que o Saccharomyces reage. Para apurar
os limites do crescimento, os cientistas
variaram a quantidade de nitrogênio no
meio de cultura. Eliminando-se completamente o elemento, o crescimento cessa. Por isso, eles ofereceram ao micróbio
quantidades reduzidas de nitrogênio.
Sobreveio então o inesperado. Em vez
de as células apresentarem o fenômeno
completo do brotamento, nos meios pobres as células-filhas (brotos) permaneceram presas à ponta da célula-mãe. A
seguir, uma nova célula brotou da extremidade da célula-filha e assim por diante, formando-se um filamento de células.
As cadeias filamentosas são capazes de
cobrir a superfície do meio de cultura
(ágar), o que as leveduras isoladas não
conseguem fazer.
A capacidade de invadir o ágar leva
Fink a sugerir que a filamentização seja
um meio de procurar alimento. Os cientistas podem induzir à vontade a mudança de uma fase à outra, mas ainda procuram o exato mecanismo molecular da
passagem. Salienta Michelle Hoffman
("Science", 255, 151) que a descoberta de
Fink pode constituir importante modelo
médico e de genética molecular, uma vez
que muitos dos fungos que causam
doença em animais e plantas têm uma
forma filamentosa, que, em certos casos,
é essencial para a invasão do organismo
que contrai esses parasitas.
Fink vê sentido na manutenção, pela
natureza, do Saccharomyces em estado
de subnutrição. Se assim não fosse, o
fungo tomaria conta do mundo: uma célula isolada de levedura que se dividisse
com velocidade máxima formaria em
torno do globo uma camada de cerca de
3 m de profundidade em duas semanas.
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