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Foguete demorará a ganhar confiabilidade
MAURÍCIO TUFFANI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Mesmo que o próximo vôo do
VLS tenha pleno sucesso, o Brasil
ainda não poderá ter a segurança
de contar com um lançador de satélites confiável. O número de fracassos já obtidos para uma série
de quatro protótipos faz com que
o VLS esteja muito longe de ter
uma taxa mínima de falhas admissível para ser considerado um
produto seguro. E isso só será
possível se forem realizados lançamentos de mais protótipos.
Essa é a posição de engenheiros
que trabalham no programa espacial brasileiro, que preferem
não se identificar. Mas ela é apoiada por um dos mais respeitados
especialistas em tecnologia aeroespacial do Brasil, Jerzy Tadeusz Sielawa, 73 anos, ex-diretor-associado de tecnologia espacial do Inpe (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais) e ex-chefe da
pós-graduação do ITA (Instituto
Tecnológico de Aeronáutica),
nascido em Cracóvia, na Polônia,
e naturalizado brasileiro.
Embora diga não duvidar da
competência dos técnicos do instituto, ele afirma que o órgão não
dispõe de estrutura satisfatória na
área de controle de qualidade.
Após o acidente com o VLS-1, os
ministros José Viegas Filho, da
Defesa, e Roberto Amaral, da
Ciência e Tecnologia, e o presidente da AEB (Agência Espacial
Brasileira), Luiz Bevilacqua, disseram que o programa de construção do lançador brasileiro, que
gastou cerca de US$ 280 milhões
desde 1980, deverá continuar.
O teste de novos protótipos em
projetos de engenharia que apresentem falhas é considerada necessária para os trabalhos de controle de qualidade. "Concordo
com a afirmação do presidente da
AEB de que o projeto do VLS não
pode parar, mas certamente será
necessário programar os lançamentos de novos protótipos para
aumentar a confiabilidade do
produto", afirma o engenheiro
Gilberto Francisco Martha de
Souza, professor da Escola Politécnica da USP e especialista em
confiabilidade e análise de risco.
"Na engenharia, após a simulação de um projeto existe sempre a
fase de verificação prática com
protótipos para testar erros de
implementação antes da construção do produto final", diz José
Reinaldo Silva, professor de modelagem e design de sistemas,
também da Escola Politécnica da
USP. "No caso de insucessos repetidos, pode ser necessária a revisão das soluções adotadas para
os problemas e até mesmo a revisão do projeto em si."
O VLS exige um controle de
qualidade muito mais complexo
que o da quase totalidade dos lançadores de satélites em operação
em todo o mundo. Enquanto
quase todos os lançadores estrangeiros têm três ou quatro estágios,
cada um deles com um único propulsor, o VLS emprega quatro
propulsores no primeiro estágio.
Gestão militarizada
As críticas de Sielawa não se limitam aos aspectos técnicos do
projeto do VLS. Aposentado do
Inpe há três anos, ele afirma que o
modelo de gestão de instituições
controladas por militares, como o
IAE, é inadequado para a pesquisa. Além de não ser um ambiente
favorável para a livre troca de
idéias, segundo ele, existe também o fato de que certos cargos de
chefia cabem a oficiais-aviadores
da Aeronáutica -e não a oficiais
de engenharia.
Muitas vezes, de acordo com
Sielawa, há cargos que acabam
sendo preenchidos por oficiais
sem envolvimento com a área de
pesquisa do setor. "Por outro lado, uma chefia que deve ser ocupada, por exemplo, por um capitão-aviador, acaba às vezes sendo
interrompida desnecessariamente, se ele completa seu tempo máximo nessa patente e é promovido
a major", explica o pesquisador.
As críticas ao modelo militar de
gestão de instituições como o IAE,
o ITA e outras que integram o
complexo do CTA se assemelham
àquelas que motivaram as reformas administrativas na gestão federal nas últimas décadas. Para
muitos dos pesquisadores que
atuam nesses órgãos, seus ambientes de trabalho se tornaram
ilhas de conservadorismo em
meio ao processo de reformulação da máquina administrativa.
Uma característica da cultura
desses órgãos é a ética da obediência e a ausência de compromisso com resultados, segundo
estudos da Enap (Escola Nacional
de Administração Pública).
Falha de material
O brigadeiro Sergio Ferolla, 69,
ex-diretor do CTA (Centro Técnico Aeroespacial) e atualmente
membro do STM (Superior Tribunal Militar), disse ontem acreditar que o acidente com o VLS-1
tenha sido causado por uma "falha de material".
Ferolla disse que "o acontecimento [a explosão do foguete] é
meio ilógico". Segundo ele, que
disse não ter nenhuma informação concreta sobre o ocorrido, o
foguete estava "todo inibido" e
não havia razão para o começo de
uma ignição. "Pela lógica, não podia acontecer, mas aconteceu."
O brigadeiro disse que essa possível falha de material pode estar
relacionada à demora para a conclusão do projeto. "Os projetos se
retardam, devido à falta de recursos começam a se alongar no tempo e aí é claro que podem aparecer coisas imprevisíveis."
Colaborou a Sucursal do Rio
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