São Paulo, quarta-feira, 26 de setembro de 2001

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ASTRONOMIA

Imagens divulgadas pela Nasa revelam núcleo do Borrelly, que é recoberto por uma crosta de material escuro

Sonda realiza vôo "rasante" sobre cometa

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma rocha de formato irregular, com a superfície cheia de recortes e vastas regiões cobertas por um material orgânico negro. A visão que a sonda Deep Space-1 obteve do cometa Borrelly em sua aproximação máxima do objeto celeste nada teve de bonitinha -e tampouco de ordinária.
As imagens foram apresentadas ontem pelo Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da Nasa (agência espacial dos EUA). Mudam a noção que os cientistas tinham da superfície dos cometas. "É a segunda visão de perto que temos de um núcleo cometário", disse à Folha Don Yeomans, do JPL.
A primeira oportunidade de conseguir imagens de um cometa a poucas centenas de quilômetros de distância foi quando a sonda européia Giotto passou a cerca de 600 km do Halley, em 1986. Embora a distância da Deep Space-1 ao Borrelly no último sábado fosse quase quatro vezes maior que essa -cerca de 2.200 km-, 15 anos na evolução dos equipamentos permitiram que a DS-1 obtivesse imagens muito melhores que as da sonda da ESA (agência espacial européia).
Antes da passagem da sonda americana pelo Borrelly, as imagens da Giotto eram a única fonte de informação disponível aos astrônomos para imaginar a superfície dos cometas. "Quando tínhamos apenas uma imagem, precisávamos presumir que todos os cometas eram parecidos -o que é muito arriscado. Agora, vimos que eles também são bem diferentes entre si", disse Yeomans.
A diferença mais notável até aqui, afirma o cientista, é a face negra do objeto, que tem 8 km de comprimento. "Ele é coberto por uma crosta de material baseado em carbono muito escuro, que reflete apenas cerca de 4% da luz", afirmou. Mas essa não deve ser a única novidade: "É apenas a mais óbvia, outras devem surgir quando os dados da sonda forem analisados, em semanas".
Entre as questões que serão atacadas com os dados está a ligação entre asteróides e cometas. O fato de o Borrelly ser tão parecido com o asteróide Eros, por exemplo, pode não ser mera coincidência.
"Os dados podem mostrar alguma evidência de que, quando os cometas perdem a capacidade de emitir jatos de gás [criados a partir dos blocos de gelo que existem em seu interior", eles se tornam asteróides", afirmou Yeomans.

Dupla missão
O encontro da Deep Space-1 com o Borrelly -nome dado em homenagem a seu descobridor, o francês Alphonse Louis Nicolas Borrelly- foi o segundo propiciado pela sonda. Em 1999, ela já havia passado pelo asteróide Braille (homenagem ao criador da escrita para cegos, Louis Braille).
Nos dois encontros, a sonda obteve resultados científicos interessantes, embora nem precisasse. O objetivo da Deep Space-1, assim como das futuras Deep Space (em inglês, "espaço profundo"), é testar inovações tecnológicas para a exploração espacial.
O nome da sonda não tem relação com Deep Space-9, a estação espacial fictícia da série de TV e cinema "Jornada nas Estrelas". "Embora Marc Rayman, o chefe da equipe da DS-1, seja um grande fã da série", afirmou Yeomans.
Mesmo assim, o líder do grupo está muito orgulhoso de sua sonda. "Ela atingiu algo que poderia até se sustentar sozinho como o resultado de uma missão primária -e é somente um bônus", disse Rayman no JPL.
A DS-1 leva consigo 12 equipamentos nunca antes usados em uma sonda, incluindo um sistema de navegação autônomo (a nave pode corrigir seu curso sem qualquer ajuda do controle em terra) e um motor iônico, capaz de impulsionar o veículo ao acelerar átomos de xenônio ionizado (veja quadro à direita).
Poucas horas antes da aproximação máxima da DS-1 com o Borrelly, a equipe de controle desligou seu domínio sobre a sonda, deixando que ela navegasse no automático, para testar sua autonomia. Se alguma coisa desse errado, a sonda poderia muito bem se chocar com o cometa, pulverizando a possibilidade de obter dados científicos.
"Se fosse outra sonda, como a Cassini, por exemplo, o controle de terra não teria sido cortado", disse Yeomans.
A missão da DS-1, que já havia sido prorrogada em 1999, deve ser encerrada em um mês ou dois. "Estamos ficando sem combustível e estamos ficando sem dinheiro", contou Yeomans. O projeto todo custou US$ 150 milhões.


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