UOL


São Paulo, sexta-feira, 26 de setembro de 2003

Próximo Texto | Índice

BIOTECNOLOGIA

Animal é geneticamente mais parecido com homem que camundongo, apesar de ser parente mais distante

Equipe transcreve 77% dos genes do cão

MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Até nos genes o cachorro parece mais próximo do homem, ao menos entre as espécies de mamífero que já tiveram seu genoma sequenciado (soletrado). Isso é o que mostra um rascunho (transcrição parcial) dos genes caninos, publicado hoje na revista "Science" (www.sciencemag.org).
A equipe liderada pelo bioquímico britânico Ewen Kirkness, do Tigr (sigla em inglês de Instituto para Pesquisa Genômica), fez uma espécie de esboço do genoma do cachorro: foi coberto o equivalente a 77% dos genes de um poodle. Segundo Kirkness, esses 77% dão uma boa idéia da estrutura genética do animal. "Acho que, com o que fizemos, pudemos ver o essencial", disse por telefone Kirkness, 43.
A primeira constatação é curiosa: o genoma do cachorro é mais parecido com o humano que o do camundongo (o outro mamífero já sequenciado), apesar de homens e roedores estarem mais próximos na árvore da evolução.
Embora os cachorros tenham divergido dos humanos há aproximadamente 95 milhões de anos e os camundongos, há cerca de 87 milhões de anos, os cientistas viram que as sequências similares entre homens e cachorros equivaliam a quase o dobro das equivalências entre homens e camundongos.
"Os dados indicam que o camundongo, apesar de ter se separado dos humanos há menos tempo, evoluiu mais rapidamente e mudou muito sua estrutura genética nesse tempo. Os humanos e cachorros, por sua vez, tiveram uma evolução mais lenta, e conservaram os genes", diz Kirkness.
Cerca de 25% dos pares de bases nitrogenadas -as "letras" químicas das mensagens hereditárias escritas em DNA- do cachorro coincidem com as do homem. O ser humano tem cerca de 2,9 bilhões de pares de bases em seu genoma, enquanto os cachorros têm cerca de 2,4 bilhões dessas "letras", segundo o estudo.

Importância médica
Segundo Kirkness, o genoma canino é de grande importância, pois os cachorros têm mais de 350 doenças congênitas conhecidas que se parecem com as humanas. "Além disso, a literatura médica referente a esses animais só não é mais extensa que a nossa própria", afirma.
Muitas soluções poderão vir, portanto, da comparação entre os genes das duas espécies, assim como os procedimentos cirúrgicos em humanos surgiram da anatomia comparada. É só lembrar que, ainda hoje, na maior parte das faculdades de medicina do Brasil, os estudantes treinam técnicas cirúrgicas em cachorros antes de empregá-las em humanos.
Desde o início da onda de sequenciamento, o genoma de mais de 150 espécies (a maior parte de bactérias) foi transcrito. O cachorro, no entanto, é o primeiro animal doméstico sequenciado.
Kirkness diz que o estudo rendeu outras visões do caráter único da espécie: foram encontradas 974.400 modificações conhecidas como SNPs ("polimorfismos de nucleotídeo único" em inglês, formados pela troca de uma só base ou "letra" química na sequência genética).
No cachorro, os muitos SNPs, sugerem os especialistas, seriam responsáveis pelas diferenças entre as diversas raças do animal. "É uma boa hipótese, mas ela só será testada quando um cachorro de uma segunda raça for sequenciado", diz Kirkness. Segundo o cientista, um animal da raça boxer já está tendo seus genes mapeados por um outro grupo.
O genoma do cachorro foi feito de modo apenas parcial porque, segundo Kirkness, esse método, além de ser mais barato e cerca de seis vezes mais rápido -possibilitando a existência de vários projetos paralelos-, dá uma visão bem acurada da estrutura genética para análise comparativa.
"Não pretendemos continuar o sequenciamento até o fim. Já há um grupo no MIT [Instituto de Tecnologia do Massachusetts] fazendo isso", diz Kirkness. "Pensamos agora em tentar o mesmo em outros animais, principalmente os mais inteligentes, como golfinhos, baleias e elefantes."
Além do grupo de Kirkness, o estudo também contou com a participação do Centro para o Avanço da Genômica, presidido por Craig Venter, o homem que liderou a empresa Celera no projeto privado de sequenciamento do genoma humano. Venter também assina o artigo da "Science". O poodle sequenciado é o seu animalzinho de estimação.


Próximo Texto: Mais um: França produz 1º clone de rato
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.