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BIOTECNOLOGIA
Animal é geneticamente mais parecido com homem que camundongo, apesar de ser parente mais distante
Equipe transcreve 77% dos genes do cão
MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Até nos genes o cachorro parece
mais próximo do homem, ao menos entre as espécies de mamífero
que já tiveram seu genoma sequenciado (soletrado). Isso é o
que mostra um rascunho (transcrição parcial) dos genes caninos,
publicado hoje na revista "Science" (www.sciencemag.org).
A equipe liderada pelo bioquímico britânico Ewen Kirkness, do
Tigr (sigla em inglês de Instituto
para Pesquisa Genômica), fez
uma espécie de esboço do genoma do cachorro: foi coberto o
equivalente a 77% dos genes de
um poodle. Segundo Kirkness, esses 77% dão uma boa idéia da estrutura genética do animal. "Acho
que, com o que fizemos, pudemos
ver o essencial", disse por telefone
Kirkness, 43.
A primeira constatação é curiosa: o genoma do cachorro é mais
parecido com o humano que o do
camundongo (o outro mamífero
já sequenciado), apesar de homens e roedores estarem mais
próximos na árvore da evolução.
Embora os cachorros tenham
divergido dos humanos há aproximadamente 95 milhões de anos
e os camundongos, há cerca de 87
milhões de anos, os cientistas viram que as sequências similares
entre homens e cachorros equivaliam a quase o dobro das equivalências entre homens e camundongos.
"Os dados indicam que o camundongo, apesar de ter se separado dos humanos há menos
tempo, evoluiu mais rapidamente
e mudou muito sua estrutura genética nesse tempo. Os humanos
e cachorros, por sua vez, tiveram
uma evolução mais lenta, e conservaram os genes", diz Kirkness.
Cerca de 25% dos pares de bases
nitrogenadas -as "letras" químicas das mensagens hereditárias
escritas em DNA- do cachorro
coincidem com as do homem. O
ser humano tem cerca de 2,9 bilhões de pares de bases em seu genoma, enquanto os cachorros
têm cerca de 2,4 bilhões dessas
"letras", segundo o estudo.
Importância médica
Segundo Kirkness, o genoma
canino é de grande importância,
pois os cachorros têm mais de 350
doenças congênitas conhecidas
que se parecem com as humanas.
"Além disso, a literatura médica
referente a esses animais só não é
mais extensa que a nossa própria", afirma.
Muitas soluções poderão vir,
portanto, da comparação entre os
genes das duas espécies, assim como os procedimentos cirúrgicos
em humanos surgiram da anatomia comparada. É só lembrar
que, ainda hoje, na maior parte
das faculdades de medicina do
Brasil, os estudantes treinam técnicas cirúrgicas em cachorros antes de empregá-las em humanos.
Desde o início da onda de sequenciamento, o genoma de mais
de 150 espécies (a maior parte de
bactérias) foi transcrito. O cachorro, no entanto, é o primeiro
animal doméstico sequenciado.
Kirkness diz que o estudo rendeu outras visões do caráter único
da espécie: foram encontradas
974.400 modificações conhecidas
como SNPs ("polimorfismos de
nucleotídeo único" em inglês, formados pela troca de uma só base
ou "letra" química na sequência
genética).
No cachorro, os muitos SNPs,
sugerem os especialistas, seriam
responsáveis pelas diferenças entre as diversas raças do animal. "É
uma boa hipótese, mas ela só será
testada quando um cachorro de
uma segunda raça for sequenciado", diz Kirkness. Segundo o
cientista, um animal da raça boxer já está tendo seus genes mapeados por um outro grupo.
O genoma do cachorro foi feito
de modo apenas parcial porque,
segundo Kirkness, esse método,
além de ser mais barato e cerca de
seis vezes mais rápido -possibilitando a existência de vários projetos paralelos-, dá uma visão
bem acurada da estrutura genética para análise comparativa.
"Não pretendemos continuar o
sequenciamento até o fim. Já há
um grupo no MIT [Instituto de
Tecnologia do Massachusetts] fazendo isso", diz Kirkness. "Pensamos agora em tentar o mesmo em
outros animais, principalmente
os mais inteligentes, como golfinhos, baleias e elefantes."
Além do grupo de Kirkness, o
estudo também contou com a
participação do Centro para o
Avanço da Genômica, presidido
por Craig Venter, o homem que
liderou a empresa Celera no projeto privado de sequenciamento
do genoma humano. Venter também assina o artigo da "Science".
O poodle sequenciado é o seu animalzinho de estimação.
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