São Paulo, quinta-feira, 26 de outubro de 2006

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Genoma revela laços socias das abelhas

Decifração do DNA não encontra "gene altruísta" do inseto mas ajuda a entender como evoluiu sua sociedade complexa

Pesquisas abrem novas oportunidades para o entendimento genético de como surge a "casta" das rainhas e a das operárias

Ormuzd Alves - 06.fev.2003/Folha Imagem
Proprietário de apiário em São Paulo exibe uma colméia com abelhas africanizadas operárias


EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

O estudo do comportamento social de insetos ainda vai dar muito trabalho e gerar muita pesquisa científica. O seqüenciamento do genoma da abelha (Apis mellifera), publicado hoje na revista "Nature", de um lado revela a complexidade peculiar da espécie. De outro, fornece evidências contrárias ao determinismo biológico.
"A idéia inicial do grupo até era saber se havia um gene ligado à organização social das abelhas. O resultado, entretanto, mostra que não existe um gene altruísta", diz Klaus Hartfelder, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. O cientista e cinco outros brasileiros participaram do consórcio internacional que seqüenciou ("soletrou") nos EUA os 236 milhões de pares de bases ("letras" químicas do DNA) da abelha, distribuídos em 11,5 mil genes.
Essa é a terceira vez que os cientistas publicam a lista dos genes de um inseto (os outros dois foram a mosca drosófila e o mosquito da malária Anopheles gambiae) e a primeira de um inseto com laços sociais.
As abelhas se dividem em castas -operárias e rainhas- e possuem uma complexa divisão de tarefas na colônia. A observação dessa estrutura social e seu comportamento foi crucial para o surgimento da sociobiologia, disciplina que tenta explicar o comportamento humano por meio da genética.
Um dos fundadores da sociobiologia, Edward Wilson, da Universidade Harvard, comenta a nova pesquisa na mesma edição da "Nature". Para Wilson, o trabalho abre "muitas perspectivas para o estudo do desenvolvimento evolutivo e para a sociobiologia".
Afinal de contas, toda a complexidade já conhecida das abelhas está presente no genoma, como mostram estudos complementares publicados amanhã nas revista "Science" e hoje na "Genome Research".
As abelhas, por exemplo, apresentam muitos genes envolvidos com a produção da geléia real, usada na alimentação das larvas. Como também existem muitos genes relacionados com o funcionamento dos receptores para odores -relacionados à comunicação e à famosa "dança" das abelhas. Também se descobriu que o relógio biológico das abelhas é mais parecido com o dos mamíferos que com o de outros insetos.

Era funcional
"O caminho de pensamento que deve ser seguido a partir de agora é o das redes gênicas", explica Hartfelder. Para ele, o que explica o surgimento das castas entre as abelhas é a interação que existe entre os genes.
"A questão é gradativa. Em uma das castas, determinados grupos de genes são mais expressos que em outros. A divergência de fenótipos [variedade de tipos físicos] decorrente desse processo é muito importante para entender o desenvolvimento social em geral", diz o pesquisador da USP, que em seu laboratório no interior paulista trabalhou com um grupo de 51 genes da abelha.
Os trabalhos sobre os genes da Apis mellifera mostram uma outra tendência da era pós-genômica. Em grande parte dos casos, o seqüenciamento de genes por si só não acrescenta mais nada para a ciência. Ele sempre vem atrelado a outras informações, bem mais essenciais. "Hoje o que se faz é o genoma funcional. Mas é claro que a lista de genes é uma ferramenta bastante valiosa e fundamental para poder dar os próximos passos."


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