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São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 2003

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AIDS

Descoberta de mecanismo de defesa em infectados que não manifestam doença pode conduzir a um novo tipo de vacina

Anticorpo raro dá pistas para atacar HIV

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um raro anticorpo retirado de pacientes infectados com o vírus HIV, mas que não contraíram Aids, teve seu mecanismo de ação e sua estrutura explicados por uma equipe internacional de pesquisadores. Por ser capaz de neutralizar o vírus causador da doença, o anticorpo 2G12 é agora um forte candidato a servir de base a uma vacina eficaz contra a Aids.
Anticorpos são proteínas produzidas pelo organismo para a defesa contra infecções. O sistema de defesa reconhece o agente infectante, chamado de antígeno. Vacinas são criadas a partir de antígenos, para forçar o organismo a reconhecer o agente, produzir anticorpos e eliminar o invasor em caso de infecção.
O 2G12 pode servir de molde para a produção de um antígeno que faça o organismo reagir, produzindo o anticorpo para combater o vírus HIV. O vírus da Aids ataca justamente as células do sistema de defesa, chamadas linfócitos T CD4+, que coordenam o contra-ataque por anticorpos e células T "matadoras". A pessoa infectada pelo HIV produz anticorpos, mas eles não chegam a ser do tipo neutralizador do vírus.
O anticorpo neutralizador 2G12 foi isolado há uma década de um paciente infectado pelo HIV, mas que não desenvolvia a doença. O isolamento foi obtido por Hermann Katinger, da Universidade de Agricultura, Viena (Áustria). Katinger é um dos 16 pesquisadores dos EUA e Europa que assinam o artigo científico publicado na edição de hoje da revista científica norte-americana "Science" (www.sciencemag.com).
Os pesquisadores descobriram que a eficácia do 2G12 está na sua conformação pouco comum. Anticorpos têm a forma de uma letra "Y". Nos braços do "Y" fica a capacidade de reconhecer um antígeno e se grudar a ele.
O vírus HIV evita ser reconhecido e atacado pelos anticorpos porque a sua capa externa de proteína está coberta por açúcares que o organismo não interpreta como os de um agente invasor.
O anticorpo neutralizador 2G12 consegue atacar o HIV porque é capaz de reconhecer que, apesar de os açúcares serem iguais aos disponíveis no organismo, a forma como estão arranjados é diferente. Esse reconhecimento é possível graças aos "braços" do anticorpo, que se entrelaçam e criam uma superfície mais extensa para se ligarem aos açúcares.
"Nunca se viu nada igual", diz um dos autores do estudo, Ian Wilson, do Instituto de Pesquisa Scripps, na Califórnia, EUA, sobre a rara configuração do anticorpo.
Espera-se que a descoberta permita aos cientistas projetar e sintetizar anticorpos específicos e com maior capacidade de reconhecimento dos seus alvos.

Coordenação internacional
Na mesma edição da "Science", alguns dos principais nomes da ciência mundial envolvidos no combate à Aids pediram a criação de uma rede de centros de pesquisa de vacinas contra a doença.
Eles alertam que, no atual ritmo da epidemia, 70 milhões de pessoas terão morrido em 2020, e o desenvolvimento de uma vacina preventiva eficaz é essencial para reverter esse quadro.
São 24 autores de EUA, França, Reino Unido, África do Sul, Índia, Suíça e China, incluindo dois ganhadores do prêmio Nobel, David Baltimore e Harold Varmus.
Os signatários propõem o estabelecimento de seis a dez centros de desenvolvimento de vacina. Cada um deles sistematicamente criaria produtos e faria os testes da fase pré-clínica dos protótipos de vacinas.
"Um empreendimento global e bem coordenado necessário para tocar o esforço científico não existe e precisa ser criado", dizem os autores. O custo de criar vacinas é bem mais alto do que o de criar um medicamento, por isso poucas empresas farmacêuticas têm apostado nelas.
Os autores do artigo defendem que um novo tipo de parceria entre o setor público e o privado precisa ser criado, para levar adiante o esforço de criação de uma vacina.
A coordenação global também permitiria evitar a duplicação de esforços, algo que tem acontecido, apesar do número limitado de vacinas em testes.


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