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Micro/Macro
As maiores estruturas do Universo
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Às vezes, gosto de visualizar o Universo como a superfície de uma lagoa, cheia de vitórias-régias, as belas
plantas flutuantes que aparecem em
bandos, arquipélagos de ilhas verdes de
tamanhos e formas variados. Cada planta é uma galáxia, e cada grupo de plantas
é um agregado de galáxias. Claro, esse é
um modelo bidimensional do Universo,
pois estou me restringindo a visualizar a
superfície da lagoa. Uma outra diferença
importante é que o Universo está em expansão, as distâncias entre galáxias e
seus aglomerados sempre aumentando,
enquanto que, em geral, lagoas não costumam estar em expansão. De qualquer
forma, a imagem vale, senão pela sua
precisão, pelo seu poder evocativo.
Apesar de não ser um especialista em
colônias de vitórias-régias, imagino que
elas jamais atinjam dimensões comparáveis à da lagoa. (Se estiver enganado, vamos então imaginar uma espécie de
planta que satisfaça essa regra.) Usando
um argumento baseado na teoria da evolução, muitas plantas em um meio de dimensões limitadas acabam se prejudicando. Enquanto um número razoável
garante o controle dos nutrientes encontrados na lagoa, um número muito grande acaba tendo de competir, com resultados danosos à população como um todo. Deve existir uma relação entre o tamanho dos arquipélagos de vitórias-régias e o tamanho da lagoa onde se encontram, de modo que uma situação ótima
de equilíbrio seja atingida.
Agora, voltemos ao Universo povoado
por bilhões de galáxias, cada uma com
milhares de anos-luz de extensão, arranjadas em aglomerados que podem conter milhares delas, ou mesmo em superaglomerados (aglomerados de aglomerados). Será que existe um limite máximo
para essas estruturas? Durante as últimas
décadas, astrônomos de todo o mundo
fizeram mapas do Universo, localizando
galáxia por galáxia e identificando aglomerado por aglomerado. Finalmente,
podemos responder a essa pergunta.
Quando Albert Einstein propôs o primeiro modelo cosmológico da era moderna usando sua teoria da relatividade,
ele supôs que o Universo, em grandes escalas de distância, fosse essencialmente
idêntico ou homogêneo. Claro que o céu
noturno não tem nada de homogêneo, já
que vemos estrelas e constelações muito
diferentes umas das outras. Mas essas
distâncias são ridiculamente pequenas
para as escalas que estamos interessados.
É como olhar um gramado de perto ou
de longe: de longe, não vemos mais os tufos de grama, mas um "tapete verde". Essa suposição, conhecida como Princípio
Cosmológico, torna possível (ou ao menos facilita muito) uma análise matemática das propriedades do Universo, incluindo sua expansão.
Se estruturas envolvendo galáxias e
seus aglomerados podem ser arbitrariamente grandes, o Princípio Cosmológico
teria de ser abandonado, já que o Universo não seria homogêneo em nenhuma
escala. Como consequência, os modelos
cosmológicos teriam de ser seriamente
revistos. Durante os anos 80, os primeiros mapas mostraram uma incrível variação na distribuição de galáxias.
Elas aparecem em filamentos enormes,
como se fizessem parte de uma vasta teia
cósmica. Os filamentos adornam imensas regiões, onde praticamente nenhuma
galáxia é encontrada, os chamados vazios cósmicos. O problema é que esses
primeiros mapas também mostraram
que alguns desses filamentos eram tão
grandes quanto o próprio mapa, em torno de centenas de milhões de anos-luz.
Como o Universo à nossa volta ocupa
aproximadamente 13 bilhões de anos-luz, a distância percorrida pela luz desde
o Big Bang, a questão da homogeneidade
permaneceu em aberto, porém de forma
bastante incômoda.
Em julho deste ano, um novo mapa,
bem maior que seus antecessores, resolveu de vez a questão: incluindo 100 mil
galáxias a até 4 bilhões de anos-luz de
distância, quatro vezes mais do que qualquer mapa anterior, astrônomos trabalhando em um observatório na Austrália
provaram que, de fato, as maiores estruturas têm no máximo 250 milhões de
anos-luz. O Princípio Cosmológico pode
ser aplicado sem problemas. O arquiteto
das vastas estruturas cósmicas é a força
gravitacional, que parece também satisfazer um princípio evolucionário: estruturas muito maiores levariam ao colapso
deste Universo, ao menos de um descrito
pela teorias atuais, tal como um excesso
de vitórias-régias em uma lagoa finita.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "Retalhos Cósmicos".
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