São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 2002

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MEDICINA

Estudo indica que até doses pequenas da droga lesam as células do cérebro envolvidas no surgimento da doença

Ecstasy pode acelerar mal de Parkinson

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Duas ou três doses de ecstasy, nas mesmas quantidades e intervalos em que a droga é normalmente usada, podem ser suficientes para causar danos severos ao cérebro. E o pior: as células nervosas mais afetadas são as mesmas que desaparecem no mal de Parkinson, deixando o usuário mais predisposto à doença.
Esse cenário, de pesadelo para certos frequentadores de danceterias e raves (festas com música eletrônica nas quais a droga costuma ser consumida), é pintado por uma pesquisa que sai hoje na revista científica "Science" (www.sciencemag.org).
Testes em macacos revelaram dano maciço aos axônios (terminações nervosas) dos neurônios que produzem dopamina, uma substância vital para a transmissão de mensagens químicas no cérebro. "As doses que as pessoas estão usando claramente são danosas", disse à Folha Una McCann, pesquisadora da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, co-autora do estudo.
Já se sabia que o ecstasy embaralhava o funcionamento dos neurônios que produzem serotonina, outro mensageiro neuronal.
Desta vez, porém, os pesquisadores flagraram também a destruição dos axônios das células produtoras de dopamina e o sumiço de até 70% dessa molécula no cérebro -e isso seis semanas depois da injeção da droga.
A idéia de McCann e seus colegas era testar o que acontecia depois de uma "dose recreacional comum", como a tomada por frequentadores de raves. É normal que eles tomem mais de um comprimido da droga em poucas horas de intervalo -cerca de 25% dos usuários da droga fazem isso, de acordo com um estudo da Universidade Federal de São Paulo.
Para ver o que ocorria nesses casos, os cientistas deram três doses de 2 mg de ecstasy (cujo nome verdadeiro é metilenodioximetanfetamina) por quilo de peso corporal para macacos, com intervalos de três horas.
Para o cérebro dos animais, examinado de duas a seis semanas depois, o resultado foi devastador. "Os axônios se despedaçaram", diz McCann. "A própria estrutura das células foi afetada."
Efeitos na coordenação motora (que depende dos neurônios produtores de dopamina) não foram aparentes, mas testes mostraram que havia maior propensão a perder essa capacidade -o que é comum em doentes de Parkinson.
"Ainda não sabemos quanto seria preciso usar a droga para que algo parecido com Parkinson surgisse", diz McCann. "Mas, como a dopamina diminui com a idade, até o uso ocasional poderia predispor a pessoa a ter o problema."
Para o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, da Unifesp, o estudo é interessante por sugerir um elo entre a droga e Parkinson, mas tem limitações: "O fato de o teste ser feito em macacos e a mudança de ingestão para injeção são problemas. Seria preciso fazer análises parecidas em humanos", diz.


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