São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2001

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Vera Fischer, afinal, tem muito a ver com Alfred Hitchcock - apenas dois atores, Ben Kingsley e Karen Black, os separam, comprovando que até seis níveis conectam duas pessoas, uma lenda cada vez mais aceita pela ciência

Relações duvidosas

Isabel Gerhardt
da Reportagem Local

Todas as pessoas neste planeta estão separadas por apenas seis outras pessoas." A frase, que faz parte da peça "Seis Graus de Separação", de autoria do norte-americano John Guare, está deixando a condição de lenda urbana para estabelecer-se como verdade para a ciência, graças a um estudo na edição de 16 de janeiro da revista da academia de ciências norte-americana, a "Proceedings of the National Academy of Sciences". Isso indica que a chance de Mel Gibson cruzar o seu caminho não é tão remota assim. Ou que Vera Fischer, quem diria, tem tudo a ver com Alfred Hitchcock.
O estudo, feito por Mark Newman, do Instituto Santa Fé -uma instituição privada, fundada em 1984 com o objetivo de desenvolver pesquisas multidisciplinares, no Novo México (EUA)-, se debruçou sobre a a estrutura de redes de colaboração entre pesquisadores de várias áreas do conhecimento. E descobriu que cientistas também se encontram separados uns dos outros por seis outros cientistas, em média. Exatamente como a peça de John Guare profetiza.
A peça teatral, de 1990, foi baseada num estudo de 1967 feito pelo psicólogo Stanley Milgran. Milgran, que na época estudava a estrutura de conexão de redes sociais, pediu a um grupo de pessoas no Estado de Nebraska (EUA), escolhidas ao acaso, que enviassem uma carta para um amigo seu, corretor de ações, em Boston. Milgran não forneceu o endereço do amigo. As pessoas foram instruídas a entregar a carta para alguém que conhecessem, até que a carta chegasse ao destino. A recomendação era escolher alguém que aparentemente tivesse mais chances de conhecer o corretor em Boston, por exemplo, um amigo que trabalhasse na área financeira ou vivesse na cidade.
Com base nas cartas que chegaram, Milgran descobriu que, em média, o número de pessoas pelas quais elas tiveram de passar era de apenas seis. A partir daí surgiu a hipótese de que todas as pessoas no mundo podem estar conectadas por meio de uma cadeia reduzida de contatos. Essa hipótese já levou a vários outros estudos, mas eles apresentam resultados que são considerados tendenciosos, seja pelo tamanho limitado do grupo analisado (no máximo algumas centenas de pessoas), seja pela dificuldade de definir o conceito de "contato", sujeito a variação excessiva.
De acordo com Newman, até a sua pesquisa ser realizada, o estudo que esteve mais próximo de revelar se as conexões entre pessoas são mesmo intermediadas pelo cabalístico número de seis níveis é, talvez, o que envolve redes de atores. Segundo Newman, o banco de dados sobre o qual se baseia a rede é bem documentado e formado por cerca de meio milhão de pessoas. Nesse caso, considera-se que dois atores estão conectados se eles tiverem participado de um mesmo filme.
Um exemplo desse tipo de estudo pode ser encontrado no Departamento de Ciências da Computação da Universidade de Virgínia, EUA, que mantém no seu site o "Oráculo de Bacon" (www.cs.virginia.edu/oracle), um sistema de busca por meio do qual é possível descobrir a ligação entre atores de qualquer parte do mundo e o ator americano Kevin Bacon. Normalmente, o contato não envolve mais do que seis atores, na maioria das vezes até menos. Para aqueles que conseguem estabelecer uma ligação com sete ou mais atores, existe até espaço reservado num "Hall da Fama".
A brincadeira continua com links que garimpam relações de conexão entre atores e Arnold Schwarzenegger, ou entre duplas de atores de qualquer procedência. Com ajuda desses links se descobre que a estrela de "Laços de Família" e o diretor de "Um Corpo que Cai" estão a apenas três graus de separação um do outro.
O caminho revelado mostra que a atriz trabalhou no filme "O Quinto Macaco", de 1990, dirigido por Éric Rochat, com o ator Ben Kingsley (de "Gandhi", 1982). Kingsley participou de "The Children" (As Crianças), também de 1990, dirigido por Tony Palmer, com a atriz Karen Black. Black, por sua vez, esteve em "Family Plot" ("Trama Macabra"), de 1976, dirigido por Hitchcock. No entanto, explica Newman, ter trabalhado no mesmo filme não significa que dois atores tenham interagido de fato. "Tirar conclusões sobre padrões de interações humanas a partir de filmes certamente seria um erro", afirma.
Por todos esses motivos, o pesquisador resolveu estudar uma rede em que as chances de ambiguidade sobre o tipo de relação entre duas pessoas fossem as mínimas possíveis e que tivesse um número suficientemente grande de indivíduos. A escolha recaiu sobre redes de colaboração científica -com mais de 1 milhão de pessoas envolvidas-, documentadas pelos trabalhos publicados dos pesquisadores em revistas científicas que também estão registradas na Internet. Pelo critério de Newman, os cientistas são considerados conectados se tiverem participado da produção de um mesmo trabalho científico, dividindo sua autoria.

Unidos pelo genoma
De acordo com Newman, a maioria dos cientistas que colaboram a ponto de escrever um trabalho juntos tem uma relação de convivência de fato. Newman usou quatro bases de dados para realizar suas análises: Medline (contém artigos científicos da área biológica), Los Alamos e-Print Archive (física teórica), Spires (física de alta energia) e NCSTRL (ciências da computação). Em cada caso, Newman considerou apenas os trabalhos publicados nos últimos cinco anos.
Os resultados revelam que o número de conexões entre dois cientistas escolhidos totalmente ao acaso varia de quatro (para os da área de física de alta energia) a nove (para os da área de ciências da computação), com uma média de cinco ou seis, como no estudo de Milgran e na peça "Seis Graus de Separação".
A pedido da reportagem da Folha, Newman determinou a distância entre Fernando Reinach, coordenador do Projeto Genoma Xanthomonas citrii, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), e Francis Collins, coordenador do Projeto Genoma Humano, nos EUA.
Reinach e Collins estão separados por apenas três níveis. O pesquisador brasileiro é autor de um trabalho científico com John Kendrick-Jones, do Laboratório de Biologia Molecular MRC, em Cambridge, Reino Unido. Kendrick-Jones, por sua vez, é autor de um artigo com Neal G. Copeland, do Instituto Nacional do Câncer, em Maryland (EUA). Copeland, por fim, tem um trabalho em conjunto com Francis Collins, chefe do Projeto Genoma Humano.
Andrew Simpson, coordenador do Projeto Genoma Humano do Câncer da Fapesp, também está a três graus de separação de Francis Collins. Já de Craig Venter, presidente da Celera Corporation, a empresa norte-americana que compete com o consórcio público pela primazia na decifração do genoma humano, está apenas a um grau de separação, pois ambos escreveram um trabalho científico juntos. Já Fernando Reinach está a quatro graus de separação de Venter.
Ao ser questionado se as distâncias encontradas (de, em média, até seis graus de separação) permaneceriam as mesmas caso cientistas de áreas diferentes -um biólogo e um físico, por exemplo- fossem analisados, Newman disse que as mudanças não seriam significativas. "Certamente as distâncias típicas entre as pessoas são maiores se elas vierem de diferentes caminhos de vida. Mas, de qualquer forma, eu ainda assim esperaria que os caminhos fossem curtos. Talvez sete graus em vez de seis, mas não uma centena."
Para entender como essas redes funcionam, é só imaginar que existam três distâncias entre alguém e as pessoas que esse alguém conhece: pessoas da própria cidade, pessoas que vivem no mesmo Estado e pessoas que vivem fora dele. Naturalmente, a rede de conhecimentos será mais densa com relação às pessoas que vivem dentro da mesma cidade. Mas o que Newman descobriu foi que, se fosse feito um zoom sobre as ligações com as pessoas que vivem no mesmo Estado, ou fora dele, o padrão de conexões se assemelharia muito ao encontrado dentro da mesma cidade. Assim, as conexões de qualquer pessoa com outra formam padrões que se assemelham nos diferentes níveis.
Newman acredita que, com o avanço da Internet, que permite maior velocidade de troca de informações, no futuro essas distâncias serão ainda menores. "Seremos capazes de gerar cadeias de orientação -linhas de contato que permitirão que pessoas sejam apresentadas a outras pessoas", afirma.
O trabalho de Newman, no entanto, não tem implicações somente para redes de relações pessoais. Poderá afetar também redes computacionais, ajudando na criação de softwares capazes de procurar informações específicas de maneira mais eficiente na Internet.


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