São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2001

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Polícia Federal investiga "exportador"

DA REPORTAGEM LOCAL

A Polícia Federal do Ceará decretou, no final do ano passado, a prisão preventiva do alemão Michael Schwickert, suspeito de envolvimento no contrabando de fósseis da chapada do Araripe.
Seria apenas um caso de polícia, se Schwickert não fosse geólogo de formação, preparador de fósseis diplomado pela Federação de Preparadores Alemães e um dos "dealers" (comerciantes) de fósseis mais conhecidos da Europa.
Sua empresa, a MS-Fossil, com sede na cidade de Sulzbachtal, no Estado da Renânia-Palatinado (oeste da Alemanha), fornece espécimes para instituições de pesquisa como o Museu de História Natural de Paris e o Museu de História Natural de Berlim. Este último comprou de Schwickert uma coleção de insetos da formação Santana (uma das formações cretáceas da chapada do Araripe), vários deles ainda não descritos.
Até poucos meses atrás, a MS-Fossil concedia a qualquer pessoa -mediante uma contribuição em marcos alemães equivalente a R$ 10 mil- o direito de batizar insetos fósseis brasileiros. Bastava, para isso, enviar um e-mail (para msfossil@t-online.de).
Em novembro de 2000, a PF do Ceará apreendeu 20 mil fósseis em um galpão na cidade de Nova Olinda. Na ocasião foram presos dois atravessadores, que afirmaram trabalhar com Schwickert.
Em uma casa alugada por ele em Nova Olinda, foram encontrados um microscópio, uma britadeira e mapas geológicos da chapada do Araripe, feitos pelo projeto Radam Brasil.
"Quem tem esses mapas na mão sabe onde estão os fósseis da chapada", disse à Folha o delegado Manoel Luiz Neto, que comandou a apreensão.
Além do inquérito da Polícia Federal, Schwickert ainda está sendo investigado pelo Ministério Público do Ceará desde 1998.
A polícia acha que Schwickert comprava fósseis de atravessadores e os enviava à Europa.

Outro lado
O "dealer" alemão concedeu uma entrevista à Folha, por e-mail, em dezembro. "Quem vai ser o malvado da sua matéria?" -perguntou, antes da entrevista.
Schwickert afirmou que leu sobre a apreensão em um jornal de Juazeiro do Norte. "É uma fantasia", afirmou. "A Polícia Federal disse o meu nome aos dois homens presos para conseguir uma declaração contra mim. Até onde eu sei, eles disseram que não trabalhavam para mim."
O geólogo afirmou também que jamais tocaria num fóssil brasileiro para exportação. "Como você sabe, eu sou uma pessoa conhecida na Alemanha e não posso me arriscar a fazer nada contra a lei."
Segundo Schwickert, o material apreendido realmente pertencia a ele. "Eu trouxe (o equipamento) para mostrar ao pessoal das pedreiras como trabalhar de forma mais eficiente", para não danificar os fósseis, afirmou. O microscópio "era para ser um presente para um projeto com crianças do museu de Nova Olinda".
Sobre os insetos da Formação Santana vendidos ao museu de Berlim, Schwickert declarou ter comprado "do mundo inteiro, mas não do Brasil".
O comércio de espécimes fossilizados na Europa e em países como o Japão é livre. Alguns países, como a China, adotam há algum tempo uma política de repatriação das relíquias, baseados numa resolução da Unesco sobre bens culturais de 1973.
No caso dos fósseis brasileiros, o caminho que as peças percorrem até chegar ao seu destino final é tão longo que, mesmo que o governo solicitasse a sua repatriação, não conseguiria saber como eles saíram do país, nem quando.
Um caso típico é o do pterossauro Anhanguera piscator, originário da Formação Santana, no Araripe, e vendido ao Museu Nacional de Ciência de Tóquio por um comerciante italiano chamado Flavio Bacchia.
Em entrevista à Folha, Bacchia afirmou que nunca esteve no Brasil. "Comprei o fóssil no começo dos anos 90, de um alemão que morreu há sete anos", disse.
O paleontólogo japonês Yukimitsu Tomida, que descreveu o A. piscator, disse ignorar a legislação brasileira. "Não sei como é a lei, mas há fósseis brasileiros à venda em todas as grandes feiras de fósseis do mundo. Se fosse ilegal, eles não estariam lá", afirmou.



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