São Paulo, sábado, 28 de janeiro de 2006

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ESPAÇO

Duas décadas depois da explosão que matou 7 e expôs as falhas da Nasa, agência busca aposentar ônibus espaciais

Tragédia da Challenger completa 20 anos

Bruce Weaver - 28.jan.1986/Associated Press
Destroços da espaçonave Challenger após explosão que a destruiu em 28 de janeiro de 1986, no lançamento em Cabo Canaveral


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

De todos os acidentes espaciais, o mais emblemático foi o do ônibus espacial Challenger, há 20 anos. A explosão da nave deixou mortos sete astronautas e desfeitos vários sonhos americanos.
A tragédia será comemorada hoje, com a presença das famílias dos tripulantes mortos, no Centro Espacial Kennedy, na Flórida. Dali a Challenger partiu para seu vôo final, de 73 segundos, na gélida manhã de 28 de janeiro de 1986. Michael Griffin, o administrador da Nasa (agência espacial dos EUA), procurou marcar a data mostrando a determinação de continuar a missão da Challenger: "O vôo espacial continua o ser ápice das realizações humanas", afirmou em comunicado.
Desde 1981, a Nasa promovia vôos de ônibus espaciais. Era um novo conceito de viagem ao espaço, em que o veículo era reutilizável e permitia uma série de flexibilidades, como por exemplo trazer um satélite de órbita.
Além do mais, o ônibus espacial era uma coisa que os EUA tinham mas que a então União Soviética não possuía. Considerando os potenciais usos estratégicos dessas naves (e o discurso do então presidente americano Ronald Reagan de recrudescimento da Guerra Fria com base num escudo espacial antimísseis), era algo que incomodava os soviéticos e orgulhava os americanos.
Claro, tudo isso se esvaiu em janeiro de 1986, quando, após vários dias de adiamento do lançamento, na 25ª missão de um ônibus espacial, o Challenger se desintegrou. A explosão dramática foi testemunhada in loco por milhares de pessoas e pela TV por milhões. O evento redefiniu o termo "trauma nacional".

Símbolo da nação
"O ônibus espacial era um símbolo de excelência para a nação. A explosão do Challenger mostrou quão sofisticada essa tecnologia era e quão frágil também, e nossos sonhos estavam atrelados a ela", explica Roger Launius, pesquisador da Smithsonian Institution e ex-historiador-chefe da Nasa.
"Adicione a isso o fato de que muitos americanos estavam empolgados com essa missão, mais ainda do que com as anteriores, porque um membro da tripulação era uma professora que iria conduzir uma aula em órbita", complementa Launius.
O programa Professor no Espaço, com a jovem e enérgica Christa McAuliffe como sua peça central, estava em desenvolvimento havia anos e era tido como um grande passo à frente na educação dos jovens. Milhões de crianças em idade escolar estavam acompanhando seu vôo.
O acidente se mostrou ainda mais devastador por causa das conexões fortes que outros membros da tripulação tinham com grupos nos EUA. Os sete membros do Challenger representavam um recorte ricamente diverso da população americana em termos de raça, gênero, geografia, formação e religião.
Até a Cortina de Ferro se entreabriu para permitir que a população soviética visse o que havia acontecido. "Informações oficiais sobre os lançamentos dos ônibus espaciais usualmente eram muito pobres na União Soviética, porque o ônibus demonstrava uma vantagem da tecnologia espacial americana", diz Alexander Sukhanov, do Instituto de Pesquisas Espaciais da Rússia.
"O lançamento da Challenger foi mostrado em detalhes naquele dia, o que nunca havia acontecido antes, e eu imediatamente percebi que algo ruim havia acontecido. Claro que também havia uma simpatia oficial, embora ao mesmo tempo todos os aspectos negativos daquela tragédia -relacionados à tecnologia americana- tenham sido enfatizados."
Imediatamente após o acidente, foi formada uma comissão para apurar as causas. O escrutínio foi o maior já feito sobre a Nasa.
A chamada Comissão Rogers estabeleceu um novo padrão para análise de acidentes desse tipo. Não só apresentou uma demonstração contundente do que havia dado errado com a Challenger como também revelou uma série de problemas gerenciais dentro do programa e da agência espacial.
As conclusões foram tão devastadoras que anularam completamente as vantagens americanas de ter um ônibus espacial. Após a investigação, o governo americano decidiu que essas espaçonaves não mais deveriam servir como lançadores de satélites comerciais, nem realizariam missões para o Departamento de Defesa.
Com isso, o sonho da Nasa de usar os ônibus para baratear o acesso ao espaço terminava.
Por mais que tenha sido uma decisão radical, o futuro só veio a mostrar que foi acertada. É notável o fato de que, até hoje, a Nasa ainda luta para conseguir tornar esses veículos seguros, tendo de enfrentar um segundo acidente fatal com o Columbia, em 1º de fevereiro de 2003.
À primeira vista, isso faz parecer que a agência congelou no tempo. Mas não é essa a opinião dos especialistas. O problema está muito mais, segundo eles, na dificuldade que é gerir grandes instituições e manter vôos espaciais dentro de uma margem de segurança.
"Respondo adotando um conceito moderno dos processos de certificação dos sistemas e da qualidade de organizações, que é o da chamada melhoria contínua", diz Petrônio Noronha de Souza, tecnologista sênior do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e presidente da AAB (Associação Aeroespacial Brasileira). "Ele parte do princípio de que o aperfeiçoamento nunca se encerra -é sempre possível mudar de forma a melhorar."
"A Nasa pós-Apollo-1 [primeiro acidente a vitimar astronautas nos EUA, em 1967, num incêndio que matou três durante um teste da cápsula em solo] era melhor que a pré. A Nasa pós-Challenger era melhor que a pré, mesmo tendo levado ao acidente com o Columbia. A Nasa pós-Columbia é melhor que a pré, mas certamente fará bobagens também. Esse é um processo que não termina."
Para Roger Launius, o programa saiu muito fortalecido do acidente com a Challenger. "Além das correções técnicas nos propulsores auxiliares sólidos, a Nasa fez outras grandes melhorias de segurança. Além disso, o programa do ônibus espacial foi completamente reorganizado para garantir que toda a informação necessária estaria disponível aos gerentes em todos os níveis. Astronautas experientes foram colocados em posições de gerenciamento e todas as questões significativas foram levadas a um Painel de Revisão de Prontidão para o Vôo, chefiado pelos vice-administradores da Nasa para Vôo e Segurança Espaciais."
Mas nada pôde compensar o sucesso constante, sabotador natural da vigilância no aspecto segurança. "Com aquelas mudanças, os líderes da Nasa esperavam fomentar discussões completas e abertas sobre questões potenciais operacionais e de segurança", diz Launius. "Essas ações serviram bem por vários anos, mas com o tempo a complacência chegou ao ponto de permitir o acidente com o Columbia, em 2003."
A tecnologia do ônibus espacial deve ser aposentada a partir de 2012, com o desenvolvimento do CEV (veículo de exploração tripulada), projetado para ir à Lua.

Com agências internacionais

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