São Paulo, sábado, 28 de setembro de 2002

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ÉTICA

Hendrik Schön, dos Laboratórios Bell, cotado para o Prêmio Nobel de Física, teria manipulado dados em 16 trabalhos

"Gênio" tecnológico é demitido por fraude

Associated Press/Bell Labs
Hendrik Schön, demitido por fraude dos Laboratórios Bell, EUA


CHARLES ARTHUR
DO "THE INDEPENDENT"

Alguns cientistas achavam que Jan Hendrik Schön estava destinado ao Prêmio Nobel de Física. Entre os vários trabalhos de impacto que ele publicara em apenas três anos -no campo da nanotecnologia, onde um punhado de publicações anuais já significa alta produtividade-, um relatava a criação de um transistor de uma molécula só. Ele permitiria aos computadores encolher milhares de vezes e revolucionar o mundo.
Mas agora esse alemão de 32 anos, ex-pesquisador dos Laboratórios Bell, em Nova York, está desacreditado. Seu trabalho é efetivamente inválido. Ele foi acusado do maior crime do mundo científico: falsificação e manipulação de dados.
Sem poder montar uma defesa verossímil, ele foi demitido por má conduta científica anteontem pela Lucent, empresa proprietária dos Laboratórios Bell, após uma investigação de quatro meses. Foi a primeira demissão do gênero nos Bell em 77 anos.
Um comitê de investigação montado pelo laboratório concluiu que Schön havia falsificado dados em 16 de 24 trabalhos publicados entre 1999 e 2001.
A pista que o denunciou: dois artigos diferentes, um na revista "Nature" e um na "Science", tinham um gráfico idêntico. Mas deveriam ser "sobre materiais diferentes em condições diferentes", disse Carl Ziemelis, editor de ciências físicas da "Nature" em Londres. "E não se tratava de uma reapresentação de dados de um outro estudo." Schön alegou que tinha só cometido um erro ao escrever o artigo e mandou para a "Science" um gráfico revisado.
No entanto, em abril deste ano, alguém dentro dos Bell contatou Lydia Sohn, uma professora de física em Princeton, e sugeriu que havia algo errado com os dados de Schön. Juntamente com Paul McEuen, da Universidade Cornell, ela achou o que chama de "a prova do crime".
A investigação revelou múltiplos exemplos, entre os artigos científicos publicados por Schön, nos quais os gráficos eram os mesmos, ainda que tivessem o objetivo de mostrar eventos diferentes. Quando pediram a Schön que mostrasse os dados originais, ele disse que não os guardara.

A casa caiu
O edifício inteiro começou a ruir, até que a derrocada culminou ontem, com pedidos das revistas científicas que publicaram os trabalhos de Schön, como a "Nature e a "Science", para que ele se retratasse. Efetivamente, uma admissão de que os trabalhos não eram verdadeiros, nem nunca poderiam ser.
Isso lançou uma sombra sobre os Laboratórios Bell, uma instituição de pesquisas que deu ao mundo o transistor, o laser e o sistema operacional Unix, bem como dezenas de invenções ao longo dos anos -mas que agora luta para justificar seus orçamentos astronômicos enquanto sua empresa-mãe, a Lucent, demite milhares.
Schön parecia um desses raros gênios que a ciência produz de tempos em tempos. A revista "Technology Review", do MIT (Massachusetts Institute of Technology), o apontou neste ano como uma das cem pessoas abaixo dos 35 anos cujo trabalho e idéias mudariam o mundo.
"Eu vi alguns de seus trabalhos sendo apresentados para o público alemão", disse um professor. "Lá eles batem nas cadeiras em vez de aplaudir. E as batidas duravam." Agora, é completamente diferente. Até a secretária do departamento de optoeletrônica da Universidade de Cambridge, Reino Unido -que Schön nunca visitou e com cuja equipe ele nunca trabalhou- já ouviu falar nele e reage a seu nome como alguém que sente um mau cheiro.
Schön, que não pôde ser contatado durante esta semana, insistiu que não fraudou nada.
Num apêndice do relatório de 127 páginas publicado pela comissão de inquérito da Lucent, ele disse: "Eu devo admitir que cometi vários erros em meu trabalho científico, o que eu lamento profundamente. No entanto, gostaria de ressaltar que todas as publicações científicas que eu preparei foram baseadas em observações experimentais. Eu acredito que esses resultados serão reproduzidos no futuro."
Algumas pessoas têm também questionado o papel na história de Bernard Batlogg, que levou Schön aos Bell em 1998 e era seu orientador lá. Ao ser questionado sobre o papel no caso, Batlogg, que hoje mora na Suíça, respondeu: "Se sou passageiro num carro que avança o sinal vermelho, isso não é minha culpa".


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