São Paulo, quinta-feira, 28 de novembro de 2002

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BIOÉTICA

Reunião fechada nos EUA examina idéia de testar células-tronco humanas em camundongo, produzindo quimera

Grupo debate híbrido de homem e roedor

NICHOLAS WADE
DO "THE NEW YORK TIMES"

Um grupo de biólogos americanos e canadenses está debatendo se recomenda a realização de experimentos com células-tronco (capazes de se transformar em outros tipos de célula) que envolveriam a criação de híbridos de humanos com camundongos.
O objetivo seria testar diferentes linhagens de célula-tronco embrionária humana quanto à qualidade e ao potencial de utilidade no tratamento de doenças específicas. A melhor maneira de fazê-lo, argumentam alguns biólogos, é ver como as células se comportam em um animal vivo. Por razões éticas, o teste não pode ser realizado com pessoas.
Caso células-tronco humanas sejam testadas dessa maneira em camundongos, todo animal nascido do experimento seria uma quimera (organismo em que se misturam células de dois tipos), com células humanas distribuídas por todo o corpo.
Embora seja provável que a criatura se tornasse um camundongo com umas poucas células humanas obedecendo a regras do roedor, o resultado de tal experimento não pode ser previsto. Um camundongo com o cérebro composto só de células humanas seria provavelmente algo perturbador para muita gente, assim como um que gerasse espermatozóides ou óvulos humanos.

Resultados inesperados
Irving Weissman, especialista em células-tronco da Universidade Stanford, disse que fabricar camundongos com células humanas poderia ser "um experimento de importância enorme". Realizado sem cuidado, poderia levar a resultados que seriam "horríveis demais para contemplar".
Weissman mencionou como exemplo extremo a possibilidade de que um camundongo produtor de espermatozóides humanos fosse acidentalmente posto para cruzar com uma fêmea produtora de óvulos humanos.
Pelo menos dois biólogos do grupo que discute o experimento acreditam que ele é prematuro ou contrário à ética, e que poderia animar as autoridades a impor limites adicionais para a pesquisa com células-tronco, ou bani-la. As células-tronco são como a argila de todos os tecidos do corpo e suscitam a expectativa de um material polivalente para atacar doenças degenerativas da idade avançada, como mal de Parkinson, câncer e males cardíacos.
Outros cientistas dizem que esses experimentos seriam de grande valia e poderiam ser conduzidos com células-tronco humanas modificadas para se tornar incapazes de produzir células do cérebro ou reprodutivas. Reconhecem, porém, que mesmo uma experiência programada com tais precauções precisaria primeiro ser submetida a uma revisão científica e ao debate público.
A proposta do experimento surgiu de uma reunião ocorrida no último dia 13 na Academia de Ciências de Nova York. Foi organizada pela academia e pela Universidade Rockefeller, sob a direção de Ali Brivanlou.
Brivanlou convidou oito autoridades em células-tronco e, como observadores, dois editores científicos de publicações especializadas, além de James Battey, diretor do Instituto Nacional de Surdez e coordenador do grupo de trabalho sobre células-tronco dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA. O encontro não deveria se tornar público, disse Brivanlou, e em dado momento os observadores, incluindo Battey, foram convidados a se retirar da sala.
Um dos editores da revista escreveu sobre o encontro na edição passada da revista "Nature", dizendo que Battey "criticou os participantes pelo que chamou de sigilo excessivo". Battey não respondeu a ligações para sua sala.
O propósito do encontro, disse Brivanlou anteontem, foi discutir a adoção de padrões de qualidade para diversas novas linhagens humanas de célula-tronco em desenvolvimento mundo afora.
No teste que discutiram, células-tronco embrionárias humanas seriam injetadas em um embrião jovem de camundongo, uma minúscula bola de células chamada blastocisto. Os cientistas veriam, então, se as células-tronco humanas apareceriam em todos os tecidos do camundongo. Essa capacidade, conhecida com pluripotencialidade, é a marca registrada de uma verdadeira célula-tronco embrionária.
A injeção no blastocisto de um outro camundongo é o teste-padrão para células-tronco embrionárias de roedores, que, como as similares humanas, são derivadas de um pequeno conjunto de células multiuso poucos dias depois de o óvulo fertilizado ter começado a se dividir.
Ninguém sabe ainda se células-tronco embrionárias humanas sobreviveriam num blastocisto de camundongo. Mas, se isso acontecesse e elas aparecessem em todos os tecidos do animal, seria um teste útil para várias das supostas linhagens de célula-tronco embrionária humana que vêm sendo desenvolvidas, disse Brivanlou.
Janet Rossant, do Hospital Mount Sinai de Toronto (Canadá), que participou do encontro, disse que não considerava o teste necessário. Ela acredita que, se as células humanas injetadas contribuírem para os tecidos do camundongo, "será algo que a maioria das pessoas vai achar inaceitável".
Weissman, que não esteve presente à reunião, disse que o experimento poderia ajudar a observar o comportamento de células humanas com doenças genéticas. Estudar a maneira como as células doentes se desenvolvem num camundongo poderia dar novas perspectivas de tratamento.
Ele disse que um procedimento desses precisaria ser cuidadosamente examinado por um órgão como a Academia Nacional de Ciências dos EUA. "Você deve assegurar a si mesmo e ao público que isso é ético. Os cientistas não devem decidir sozinhos."


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