São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 2002

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Europa planeja pousar sonda em cometa

DA REPORTAGEM LOCAL

O trabalho duro de uma década de um grupo de cientistas europeus deve ir literalmente pelos ares em janeiro próximo. Nessa data, um foguete francês Ariane-5 levará a sonda Rosetta ao espaço, para uma viagem que culminará com o primeiro pouso de um artefato humano sobre um cometa.
O trabalho dessa sonda e de sua contraparte americana, a Stardust, está na outra ponta do espectro da abrangente questão da origem da vida. Enquanto os cientistas na Terra tentam recriar as condições primitivas do planeta em busca da "receita" original da formação dos ingredientes básicos dos seres vivos, as sondas tentarão observar o desenrolar desses eventos naturalmente.
Afinal, os cometas são verdadeiros fósseis do Sistema Solar primitivo, formados na mesma época em que os planetas, mas pouco modificados desde então. Além disso, eles são ricos depósitos de compostos de carbono, a base da vida tal qual ela é conhecida hoje.
A sonda Rosetta pretende abrir as portas para a decifração dos processos que deram origem à vida, da mesma forma que a célebre pedra que lhe dá nome permitiu a decifração dos hieróglifos egípcios. Mais do que isso, a Europa espera com ela recuperar a hegemonia em estudos cometários.
O pontapé inicial para estudos de cometas in loco foi dado com a sonda européia Giotto, que em 1986 fez as primeiras imagens de curta distância do Halley.
"Algumas vezes a ESA apontou que os cientistas europeus tinham vantagens em seu conhecimento dos cometas, comparados aos cientistas da Nasa. Essa noção veio principalmente da Giotto", disse à Folha Uwe Meierhenrich, um cientista alemão que está envolvido na construção do veículo de pouso da Rosetta. "Entretanto, recentemente, em setembro de 2001, cientistas americanos atingiram um nível comparável com a missão Deep Space-1 e suas imagens do cometa Borrelly."
Agora as duas agências espaciais estão em uma "corrida cometária". A Rosetta já estava sendo planejada pela ESA desde 1993, mas em 1994 a Nasa surgiu com a missão Stardust, lançada em 1999. Ela deve passar pelo cometa Wild-2 em 2004 e trazer amostras de sua cauda de volta à Terra em 2006. Quando esse material estiver na mão dos americanos, a Rosetta ainda estará na metade da sua viagem rumo ao cometa 46P/ Wirtanen.
O que não quer dizer que a corrida entre europeus e americanos esteja decidida. "Com relação a resultados científicos, haverá considerável competição entre as duas equipes", diz Meierhenrich.
Segundo ele, a ESA tem um trunfo na manga -vai aterrissar sua nave lá para tomar medições do astro, coisa que os americanos não farão. "Ainda estamos convencidos de que a medição in situ do núcleo do cometa pela Rosetta nos dá vantagens, comparada à missão de retorno de amostras."
Apesar de a missão ter encontros programados com asteróides e com Marte, o que deve render imagens espetaculares, a vida é sua principal razão de ser. Pelo menos nas palavras de Wolfram Thiemann, outro membro da equipe da Rosetta. "Uma das questões intrigantes sempre foi de onde começou a vida terrestre. A Rosetta pode contribuir para responder a isso", afirmou. "No caso de aminoácidos abundantes serem descobertos no cometa, teríamos um bom cenário para entender em grande parte, senão totalmente, que os elementos construtores da vida foram importados."
A questão dos aminoácidos canhotos também deve ser estudada pela sonda. "Esperamos obter informações cruciais sobre processos de evolução química ao verificar as proporções entre aminoácidos canhotos e destros nas amostras de um cometa", diz Meierhenrich. (SN)


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