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São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 2003

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POLÍTICA CIENTÍFICA

Comissão definirá estratégias para o setor após cancelamento de projeto aprovado pelo governo FHC

Nanotecnologia ainda é prioritária, diz MCT

Marty Saunders/Universidade Yale/Reuters
Buckyball de carbono com átomos encapsulados no seu anterior


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) se mobiliza para tentar definir metas para a emergente área de nanotecnologia (criação de materiais, processos e equipamentos na escala dos milionésimos de milímetro), há um impasse na comunidade científica sobre o cancelamento de um projeto que visava justamente dar diretrizes mais objetivas ao setor.
A principal decisão já tomada pelo novo governo na área havia sido cancelar a montagem do Programa Nacional de Nanotecnologia e do Centro Nacional de Referência em Nanotecnologia. O projeto tinha sido criado pelo físico Cylon Gonçalves da Silva, do LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron), em Campinas, ainda durante o governo FHC.
Na última sexta-feira, o ministério decidiu, numa reunião realizada em Brasília entre o secretário de Políticas e Programas de Ciência e Tecnologia, Gilberto Sá, e representantes de redes cooperativas e Institutos do Milênio dedicados ao tema, nomear uma comissão de especialistas em nanotecnologia para discutir projetos que serão incluídos no Plano Plurianual, a partir do próximo ano.
Apesar do cancelamento do Programa Nacional de Nanotecnologia, o objetivo declarado pelo MCT em suas decisões também é estimular os estudos nessa área: "A nanotecnologia é a biotecnologia de 15 anos atrás", disse Wanderley de Souza, secretário-executivo do ministério. "A área é estratégica e é uma prioridade."
Segundo Souza, a intenção é ampliar o montante de recursos destinados a esses estudos. "Estamos hoje trabalhando com um orçamento que veio do governo anterior. Pretendemos a partir de 2004 aumentar ainda mais os investimentos nessa área."
Mesmo assim, já haverá o que fazer neste ano. Souza informa que o MCT tem hoje R$ 8 milhões em caixa para investir no setor e pretende levantar ainda mais verbas a partir dos fundos setoriais (que se destinam a áreas que podem ter relação com aplicações nanotecnológicas).

Verba flutuante
Os R$ 8 milhões, levantados no ano passado, tinham como destino original o projeto de Silva. Embora a proposta já tivesse sido aprovada pelo governo anterior, o MCT decidiu puxar o fio da tomada por não concordar com a filosofia implícita nele. "Com a idéia de um programa nacional, todos nós estamos de acordo", diz Souza. "Mas não vemos necessidade de criar um centro que iria concentrar recursos, em vez de distribuí-los por outros laboratórios."
No projeto de Silva, o Centro Nacional de Referência em Nanotecnologia seria uma organização social, operando mediante um contrato de gestão com o MCT. O organismo seria responsável por coordenar a implementação do programa nacional e seria estruturado pela Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron (ABTLuz), mesma instituição que gerencia o LNLS.
De sua parte, Silva -que não participou da reunião de sexta- lamenta a paralisação decidida pelo MCT. "O trabalho já estava avançado, havíamos contatado várias organizações dispostas a participar, como a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e o CTA [Centro Técnico Aeroespacial]. Faltava dar estrutura formal."

Dupla direção
A idéia de Silva era dividir os investimentos federais na nanotecnologia em duas frentes. Uma, de natureza "horizontalizada", apostando em pesquisa básica de todo tipo, ficaria a cargo das redes do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e dos Institutos do Milênio já estabelecidos pelo MCT.
A segunda, a ser coordenada pelo novo centro, seria "verticalizada", com ênfase em projetos mais específicos, com o objetivo de gerar inovação e tornar o Brasil competitivo no mercado internacional de nanotecnologia, que cresce ano a ano.
Para Silva, a inexistência de um centro desse tipo prejudicaria a priorização estratégica nos investimentos. Essa falta de planejamento faria com que o Brasil se atrasasse no setor.
"Uma coisa que muita gente falava era que nanotecnologia era uma boa para o Brasil porque estava muito no começo, então podíamos conquistar uma posição de destaque sem ter de recuperar muito atraso", diz Antonio José Roque da Silva, físico especialista em nanotecnologia da USP. "Mas se formos esperar mais um pouquinho, isso não vai mais ser verdade. Outros países estão investindo pesado no setor."

Distribuir investimentos
Para Souza, as redes e os institutos já estabelecidos são capazes de coordenar as prioridades e ao mesmo tempo atingir uma maior cobertura das áreas de pesquisa.
Para ele, a melhor forma de cobrir o campo seria distribuir os investimentos. Antonio José Roque da Silva acredita que o procedimento de distribuição pode ser feito, mas precisa ser cuidadoso. "É preciso tomar cuidado para não pulverizar demais os recursos do MCT que, sabemos, são limitados", diz. "E é importante o estabelecimento de grandes objetivos, de natureza específica, para impulsionar a inovação", completa.


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