|
Próximo Texto | Índice
TECNOLOGIA
Sistema israelense processa sinais de câncer em um tubo de ensaio
Computador de DNA já faz
"diagnósticos moleculares"
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um médico precisa de pelo menos seis anos para se formar na faculdade. Em apenas três, um grupo de pesquisadores israelenses
converteu seu computador feito
de DNA num médico molecular
-um oncologista, para ser exato.
Ao que parece, é mais um recorde para uma pesquisa já acostumada a figurar no Guinness. Mas
ainda falta um longo percurso até
que o nanomédico saia por aí clinicando. A bem da verdade, nem
iniciou a chamada residência.
A premissa, desenvolvida desde
2001 por pesquisadores liderados
por Ehud Shapiro, do Instituto
Weizmann, em Israel, é fascinante. Ela faz uso das propriedades
codificantes do DNA (ácido desoxirribonucléico) para armazenar
e processar dados, exatamente
como faz um computador.
A molécula de DNA, cuja estrutura foi identificada há 51 anos,
tem a forma de uma escada torcida. Cada degrau da escada tem
duas "letras" químicas, de quatro
possíveis: A, T, C e G (adenina, timina, citosina e guanina). Elas são
complementares: um degrau que
tenha um A só pode ser complementado por um T; o mesmo vale
para C e G. Seqüências específicas
dessas letras na fita do DNA compõem os genes -grosso modo,
receitas para a síntese de proteínas, que por sua vez fazem todo o
trabalho pesado dentro das células dos seres vivos.
Shapiro e seus colegas usam as
mesmas ferramentas da natureza
na fabricação desse sistema de replicação da receita dos seres vivos,
mas com objetivos computacionais. E o sistema mais parece um
sopão do que um computador: é
uma mistura, em solução aquosa,
que combina moléculas de DNA e
certas enzimas.
Essas substâncias, responsáveis
pela tarefa de agilizar certas reações químicas, atuam picotando a
fita do DNA nos pontos certos, de
acordo com o que está "escrito"
nela. Com isso, processa dados.
O mecanismo foi inspirado por
um esquema desenvolvido nos
anos 1930 por Alan Turing, matemático britânico que é hoje tido
como o pai da ciência da computação. O primeiro teste desse método foi feito três anos atrás, demonstrando a eficiência do DNA
como molécula computacional.
Por outro lado, ficou claro que
ele não superaria em velocidade
os atuais computadores de silício.
Ainda assim, vale a pena desenvolvê-los, pelo potencial de aplicações que eles oferecem.
"Por limitações intrínsecas, a
computação de DNA não deve ultrapassar a tecnologia do silício",
afirma Shapiro em comunicado
sobre a pesquisa. "Um paradigma
alternativo, perseguido por nosso
laboratório, propõe o uso de computadores moleculares para aplicações em que o processamento
direto de informação biológica é
exigido. Por exemplo, detecção
"in situ" e análise de sinais moleculares em organismos vivos é impossível para computadores eletrônicos, pela insuperável incompatibilidade dos materiais envolvidos, enquanto computadores
de DNA são construídos de materiais parecidos."
Pulmão e próstata
Foi exatamente o que os pesquisadores acabaram de fazer. Programaram seu computador de
DNA para detectar a presença de
determinadas moléculas que sinalizam a superativação de genes
normalmente ligada a tumores de
pulmão e próstata.
Essas moléculas denunciadoras
são do chamado mRNA, ou
"RNA mensageiro", que serve para levar as receitas contidas no
DNA do núcleo da célula até os ribossomos, onde as proteínas serão fabricadas. Ao detectar quantidades anormais desse mRNA
delator, o computador produz como resposta uma pequena molécula de DNA cortada ao meio. Ela
se encaixa de forma exata ao
mRNA que está em excesso, impedindo-o de propiciar a produção da proteína ligada ao câncer.
Os pesquisadores fizeram tudo
isso acontecer num tubo de ensaio. Foi a chamada prova de
princípio do "médico molecular"
-o computador não só faz o
diagnóstico como já administra o
remédio. "É a primeira demonstração efetiva de uma aplicação
possível na vida real desse tipo de
computador", afirma o grupo.
Mas ainda há um longo e tortuoso
caminho até que os nanoengenhos possam sair por aí curando
câncer e outras doenças.
Atualmente, a estrutura do
computador de DNA é instável
num organismo vivo, em que as
condições são menos que ideais, e
há um verdadeiro tumulto de
proteínas e moléculas para todos
os lados, realizando uma porção
de funções diferentes ao mesmo
tempo. "Alguns desses compostos podem apresentar um perigo
significativo para os componentes de nosso computador, em sua
forma atual, ou, inversamente,
nosso computador poderia causar danos a esses componentes intracelulares", dizem os cientistas.
Décadas de pesquisa
"Em outras palavras, nosso protótipo vai exigir ajustes significativos antes que possa ser testado "in
vivo". Pode levar décadas até que
um computador molecular de
diagnóstico completamente seguro, e que possa funcionar por longos períodos, seja produzido e
aprovado para uso."
Shapiro apresenta suas visões
sobre o futuro, hoje, num congresso em Bruxelas.
Próximo Texto: Recorde: Feito do grupo foi parar no Guinness Book Índice
|